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Pacientes com doenças raras enfrentam novos desafios para conseguir tratamento pelo SUS
Viver com doenças raras já é um desafio enorme para muitos brasileiros. A jornada começa, muitas vezes, antes mesmo do diagnóstico, que pode levar anos para ser concluído. Além disso, a escassez de profissionais especializados e a falta de políticas públicas estruturadas dificultam ainda mais a vida dessas pessoas.
Agora, um novo obstáculo se soma a essa realidade: as novas regras do Supremo Tribunal Federal (STF) para pedidos de medicamentos via Justiça.
A mudança gerou grande preocupação entre associações de pacientes, como a Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), que lançou a campanha “Futuro não se apaga” para chamar a atenção para o tema.
A entidade alerta que muitas pessoas estão tendo seus tratamentos negados devido às novas exigências impostas pela Corte.
Doenças Raras: O que mudou na liberação de medicamentos via Justiça?
Muitos pacientes que convivem com doenças raras precisam recorrer ao Judiciário para ter acesso a medicamentos de alto custo que não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
No entanto, com a nova decisão do STF, essas solicitações ficaram ainda mais difíceis.
Agora, para que um paciente consiga um tratamento por meio da Justiça, é necessário apresentar evidências científicas robustas, como estudos randomizados em larga escala.
O problema, segundo especialistas, é que esse tipo de pesquisa nem sempre é viável para doenças raras, justamente porque os casos são poucos e há limitações para a realização de estudos tão amplos.
“Essa imposição do STF não leva em consideração, por exemplo, que tratamentos inovadores, principalmente para doenças raras, não contam com estudos amplos, na maioria das vezes, devido à baixa prevalência dos casos“, explica Antoine Daher, presidente da Febrararas.
Outro ponto levantado pela entidade é que muitos dos medicamentos solicitados já possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que significa que passaram por uma rigorosa avaliação de segurança e eficácia.
“Medicamentos registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já passaram por rigorosas avaliações de segurança e eficácia, que incluem análises aprofundadas de dados clínicos, estudos de toxicidade e inspeções das boas práticas de fabricação“, complementa Daher.
E ele reforça: “(…) a tecnologia já conta com registro regulatório, não cabe ao judiciário questionar eficácia e segurança. Esse não é o papel da suprema corte.”
Impacto para pacientes e famílias
A decisão do STF já está afetando diretamente pessoas que precisam da Justiça para conseguir tratamento.
Muitos pacientes relatam que tiveram seus pedidos negados, mesmo para medicamentos que já possuem aprovação regulatória.
Quem sofre com uma doença grave, progressiva e incapacitante não tem tempo a perder.
A espera por um medicamento pode significar o avanço da doença, perda de qualidade de vida e, em muitos casos, risco de morte.
“A determinação do STF já está impactando muitas pessoas que precisam de medicamentos de alto custo que não estão disponíveis na rede de saúde pública. Não só a comunidade de doenças raras. Quem tem uma doença grave, progressiva e incapacitante tem pressa e não tem tempo a perder“, enfatiza Daher.
E ele completa: “Milhares de vidas estão em risco porque estão tendo tratamentos negados – e a sociedade, como um todo, precisa olhar atentamente para isso. Não podemos deixar vidas serem apagadas.“
Campanha “Futuro não se apaga” busca mobilização social
Para dar visibilidade ao tema, a Febrararas lançou a campanha “Futuro não se apaga”, em alusão ao Dia Mundial das Doenças Raras, celebrado dia 28 de fevereiro.
A iniciativa inclui um vídeo e uma carta aberta destinada à sociedade civil, gestores públicos e legisladores, convidando-os a refletir sobre a importância de garantir acesso a tratamentos para essas pessoas.
“A campanha é um alerta“, afirma Daher. “A sociedade, como um todo, precisa olhar atentamente para isso. Não podemos deixar vidas serem apagadas.“
O objetivo da campanha é sensibilizar as autoridades e a população para a necessidade de políticas que realmente atendam às necessidades da população, garantindo o direito à saúde e à vida.
Evento em São Paulo discutirá os desafios das doenças raras
Para encerrar a campanha, a Febrararas realizará um evento no dia 10 de março, na Câmara Municipal de São Paulo.
O encontro, gratuito e aberto ao público, acontecerá das 8h30 às 12h30 e reunirá especialistas, pacientes e representantes do setor da saúde para debater os desafios enfrentados por quem convive com doenças raras.
O evento será um espaço de reflexão sobre boas práticas na área da saúde, com foco na população que vive com essas condições.
Interessados podem se inscrever pelo site da Febrararas.
Veja a carta aberta da Federação:
Diante da recente determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), que restringe a concessão judicial de tratamentos não incorporados no Sistema Único de Saúde (SUS), viemos a público nos manifestar.
Primeiramente, reconhecemos que a decisão da suprema corte busca trazer mais racionalidade e previsibilidade à judicialização da saúde. Entretanto, é essencial destacar como alguns dos critérios estabelecidos podem criar desafios significativos para os pacientes que necessitam de tratamentos específicos. Vamos esclarecer esses pontos.
O STF condicionou a concessão de medicamentos à sua incorporação no SUS, exigindo evidências científicas robustas, como estudos randomizados em larga escala. Essa exigência, embora baseada em boas práticas de avaliação, desconsidera que tratamentos inovadores, principalmente para doenças raras, frequentemente não contam com estudos amplos devido à baixa prevalência dos casos. Sugerimos que outros tipos de evidência científica, como estudos observacionais, também sejam considerados em situações excepcionais.
Além disso, é importante lembrar que medicamentos registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já passaram por rigorosas avaliações de segurança e eficácia, seguindo padrões internacionais e nacionais que garantem sua segurança. Essas avaliações incluem análises aprofundadas de dados clínicos, estudos de toxicidade, e inspeções das boas práticas de fabricação, assegurando que os medicamentos atendam aos requisitos mínimos necessários para proteger a saúde da população.
Nesse sentido, deve ser observado o processo regulatório estabelecido e garantir que o direito constitucional à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal, seja efetivamente resguardado. É preciso assegurar o acesso àqueles que necessitam de tratamento, especialmente quando a burocracia ou limitações estruturais do sistema de saúde colocam em risco a vida dos cidadãos.
Não podemos ignorar que a decisão impacta não apenas as pessoas com doenças raras — que representam cerca de 13 milhões de brasileiros —, mas também pacientes com doenças crônicas e oncológicas que necessitam de tecnologias inovadoras de alto custo. Todos esses cidadãos enfrentam barreiras adicionais para acessar tratamentos que podem salvar ou melhorar suas vidas.
Sabemos que os recursos públicos são limitados. Contudo, em 2023, o Ministério da Saúde destinou aproximadamente R$ 1,4 bilhão para medicamentos não incorporados ao SUS, o que representa apenas 0,028% do orçamento da União. Esses dados mostram que o custo financeiro, embora relevante, pode ser administrado de forma mais eficiente por meio de processos formais e transparentes.
Reforçamos que não defendemos a judicialização como solução prioritária. Pelo contrário, nosso pleito é por um sistema de saúde mais eficiente, com processos administrativos céleres e acessíveis. O tempo é crucial para pacientes com doenças progressivas e incapacitantes, pois a demora no tratamento pode levar à perda irreversível de funções vitais ou mesmo à morte.
Por isso, destacamos a urgência de se investir em políticas públicas que garantam um sistema de saúde inclusivo e responsivo. A decisão do STF exige um olhar atento, pois sua implementação inadequada pode trazer consequências graves para milhares de brasileiros.
Convidamos a sociedade, os gestores e os legisladores a refletirem sobre a importância de construir um sistema de saúde que assegure o direito fundamental à vida e à saúde, priorizando soluções que realmente atendam às necessidades da população.
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