Pesquisadora estuda impactos de medicamentos no comportamento de peixes e ecossistemas aquáticos

A crescente presença de substâncias farmacológicas nos ecossistemas aquáticos, como peixes, tem sido uma preocupação crescente nos estudos ambientais. Medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos, amplamente utilizados para tratar distúrbios psiquiátricos, têm se mostrado comuns nos corpos d’água, seja por excreção humana, seja pelo descarte inadequado.

Embora os efeitos desses compostos na saúde humana sejam bem documentados, suas consequências para a fauna aquática ainda são amplamente desconhecidas. A bióloga Raquel Moreira, premiada no Programa Para Mulheres na Ciência, foi selecionada para investigar esses impactos, focando principalmente em como esses medicamentos podem alterar o comportamento, o desenvolvimento e a reprodução de espécies aquáticas.

O estudo, que será realizado no Laboratório de Ecologia Aplicada e Ecotoxicidade da USP, busca entender a exposição crônica das espécies aquáticas a esses fármacos e os efeitos de longo prazo em seu ciclo de vida.

O impacto dos medicamentos psiquiátricos no meio ambiente aquático

A presença de medicamentos nos ecossistemas aquáticos é uma realidade crescente, com implicações diretas na saúde ambiental. Substâncias como fluoxetina, citalopram, diazepam e lorazepam, conhecidos antidepressivos e ansiolíticos, são frequentemente encontrados em corpos d’água, com origem principalmente no descarte inadequado de medicamentos e na excreção de indivíduos que utilizam esses fármacos.

Estes compostos não são totalmente removidos nas estações de tratamento de água, o que resulta na contaminação de rios, lagos e mares. Mesmo em concentrações muito baixas – na ordem de nanogramas (ng/L) e microgramas (μg/L) – essa exposição contínua pode ter efeitos adversos para a fauna aquática.

Raquel Moreira, uma das contempladas com o prêmio Para Mulheres na Ciência, explica que essa contaminação crônica pode alterar significativamente a vida das espécies aquáticas.

A bióloga aponta que, apesar de esses compostos não causarem mortes imediatas, eles afetam uma série de comportamentos essenciais para a sobrevivência das espécies, como a busca por alimentos, a fuga de predadores e a reprodução. Esse estudo revela a necessidade urgente de considerar a poluição farmacológica como um fator de risco crescente para a biodiversidade aquática.

Efeitos comportamentais e fisiológicos de medicamentos nos peixes e animais aquáticos

Os efeitos dos medicamentos psiquiátricos na fauna aquática vão além das consequências para a sobrevivência imediata das espécies. A exposição a antidepressivos e ansiolíticos pode afetar o comportamento das espécies, com implicações diretas para a sua adaptação ao ambiente.

Um dos principais aspectos investigados por Raquel Moreira é como essas substâncias alteram a capacidade dos animais aquáticos de buscar alimento, se proteger de predadores e se reproduzir de maneira eficaz.

Por exemplo, medicamentos como a fluoxetina, amplamente utilizado no tratamento de depressão, podem interferir na comunicação entre os organismos aquáticos e afetar a capacidade de resposta a estímulos externos, como predadores.

Além disso, os efeitos dessas substâncias no desenvolvimento de organismos jovens podem comprometer a viabilidade da prole e afetar a reprodução, gerando desequilíbrios ecológicos.

A bióloga também destaca que esses fármacos têm o potencial de modificar a fisiologia dos animais, alterando processos como a respiração e o crescimento, e até mesmo comprometendo a capacidade das espécies de migrar para habitats não contaminados.

Essas descobertas reforçam a necessidade de se tratar os contaminantes emergentes, como os medicamentos, nas estações de tratamento de água, para evitar que essas substâncias sigam para os ecossistemas e causem danos irreparáveis à biodiversidade aquática.

A pesquisa de Raquel Moreira e o Programa Para Mulheres na Ciência

Raquel Moreira foi uma das cientistas premiadas no Programa Para Mulheres na Ciência, uma iniciativa global da L’Oréal Paris, em parceria com a Unesco e a Academia Brasileira de Ciências.

Desde 2006, o programa tem reconhecido a excelência de jovens doutoras brasileiras que desenvolvem pesquisas científicas de alto impacto.

A bióloga foi selecionada pela relevância e inovação de seu projeto, intitulado “Os efeitos colaterais ambientais de medicamentos para o bem-estar: quando os antidepressivos e os ansiolíticos perturbam o comportamento animal”.

O prêmio inclui uma bolsa de pesquisa para que Raquel possa aprofundar seus estudos sobre os efeitos desses medicamentos na fauna aquática.

A pesquisa será realizada no Laboratório de Ecologia Aplicada e Ecotoxicidade (Leatox) da Universidade de São Paulo (USP), onde Raquel lidera um time de pesquisadores.

O foco da pesquisa está em investigar os impactos de compostos farmacológicos sobre o comportamento e a fisiologia de várias espécies de água doce, como a Daphnia magna, uma espécie de microcrustáceo, e outras espécies aquáticas.

Raquel também pretende expandir sua pesquisa para compreender as interações ecológicas em ecossistemas aquáticos expostos a poluentes emergentes, oferecendo soluções práticas para mitigar os danos causados por essas substâncias no ambiente.

O desafio de tratar medicamentos nas estações de tratamento de águas

Uma das questões levantadas pela pesquisa de Raquel Moreira é a falta de tratamento adequado para os medicamentos psiquiátricos nas estações de tratamento de água no Brasil.

Embora existam tecnologias de purificação para remover contaminantes da água, muitos sistemas de tratamento não são preparados para lidar com os resíduos de medicamentos.

Isso significa que substâncias como fluoxetina, citalopram, diazepam e lorazepam acabam sendo liberadas nos corpos d’água, onde permanecem, mesmo em concentrações baixas, afetando a fauna aquática.

A bióloga aponta que a exposição crônica a esses fármacos pode ter efeitos prejudiciais a longo prazo para os ecossistemas. Embora os organismos aquáticos possam não morrer imediatamente devido à exposição, a alteração dos comportamentos e processos fisiológicos compromete sua sobrevivência e o equilíbrio ecológico.

A pesquisa de Raquel busca fornecer evidências científicas que ajudem a entender os impactos ambientais dos psicoativos e a importância de incluir essas substâncias no tratamento de águas residuais.

Com a crescente conscientização sobre a poluição farmacológica, Raquel também espera colaborar com políticas públicas para melhorar os sistemas de tratamento de águas e reduzir a contaminação dos ecossistemas aquáticos.

A pesquisa liderada por Raquel Moreira é um passo importante na compreensão dos impactos ambientais dos medicamentos psiquiátricos e seu efeito sobre a fauna aquática.

O uso crescente de antidepressivos e ansiolíticos e seu descarte inadequado resultam na presença desses compostos nos ecossistemas aquáticos, afetando o comportamento e a fisiologia dos animais.

A bióloga destaca que, apesar de não causar mortes imediatas, a exposição crônica a esses medicamentos compromete aspectos essenciais da vida das espécies aquáticas, como a alimentação, a reprodução e a adaptação ao ambiente.

Com o apoio do prêmio Para Mulheres na Ciência, Raquel terá a oportunidade de aprofundar suas investigações e fornecer dados essenciais para a preservação dos ecossistemas aquáticos.

Além disso, a pesquisa propõe soluções para melhorar o tratamento de águas residuais e proteger a biodiversidade. A iniciativa reforça a necessidade de um olhar mais atento sobre a poluição farmacológica e seus impactos ambientais.

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Fonte: Jornal da USP

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Redação SaúdeLab
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