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Skincare para adolescentes no TikTok? Caia fora dessa furada
Nos últimos anos, o skincare deixou de ser um hábito de autocuidado para se tornar um verdadeiro fenômeno nas redes sociais. No TikTok, em especial, adolescentes compartilham rotinas cada vez mais elaboradas com dezenas de produtos aplicados em sequência.
Mas o que parece ser um comportamento inofensivo — ou até saudável — esconde riscos sérios e pouco discutidos.
Uma pesquisa inédita publicada no periódico científico Pediatrics lança um alerta importante: a rotina de cuidados com a pele adotada por adolescentes influenciados por conteúdos da internet pode causar danos duradouros à saúde da pele — e, em alguns casos, até comprometer a autoestima e o bem-estar emocional desses jovens.
Rotinas exageradas e perigosas
O estudo, conduzido por pesquisadores da Northwestern Medicine, analisou vídeos populares no TikTok em que adolescentes, majoritariamente meninas com idades entre 7 e 18 anos, compartilham seus cuidados diários com a pele.
Os resultados são alarmantes: as jovens estão utilizando, em média, seis produtos diferentes por dia — e, em alguns casos, mais de 12.
Esses produtos, além de custarem caro (uma média de 168 dólares por mês, podendo ultrapassar 500 dólares), contêm ingredientes ativos que, quando usados de forma exagerada ou combinados de maneira inadequada, aumentam o risco de reações adversas.
Aliás, uma rotina de skincare de US$ 168 por mês representa quase R$ 1 mil, enquanto regimes mais caros podem ultrapassar confortavelmente R$ 2,8 mil por mês para famílias brasileiras.
O levantamento mostrou que os vídeos mais vistos apresentavam até 11 ingredientes potencialmente irritantes.
Entre os efeitos colaterais observados estão vermelhidão, ardência, sensibilidade ao sol e até um tipo específico de alergia chamado dermatite de contato alérgica.
Trata-se de uma condição inflamatória que pode acompanhar o indivíduo por toda a vida e limitar o uso de diversos cosméticos e produtos de higiene pessoal.
A influência da estética digital
Um dos aspectos mais preocupantes destacados pela pesquisa é o vínculo entre essas rotinas e um ideal estético promovido nas redes sociais.
A aparência de uma pele “limpa, clara e brilhante” é frequentemente associada à ideia de beleza, sucesso e até mesmo saúde.
Mas, na prática, o que se vê é uma distorção desses conceitos — principalmente entre meninas em fase de desenvolvimento físico e emocional.
Segundo os autores do estudo, algumas influenciadoras adolescentes chegam a aplicar dez produtos em menos de seis minutos, o que já sugere um uso apressado e desinformado.
Em um dos casos analisados, a própria jovem relatou desconforto e queimação durante a gravação e terminou o vídeo com uma reação visível na pele.
A mensagem que se passa é de que a pele perfeita é um objetivo acessível — desde que se use os produtos certos.
No entanto, além de fisicamente arriscado, esse discurso reforça padrões de beleza que podem ser excludentes e prejudiciais à saúde mental.
A busca por uma aparência “ideal” pode gerar frustração, baixa autoestima e até transtornos psicológicos.
Quando o skincare vira consumo disfarçado de autocuidado
Ao assistir a esses vídeos no TikTok, o que salta aos olhos não é apenas o número de produtos aplicados, mas também a forma como eles são apresentados.
As marcas são mencionadas com frequência, embalagens são mostradas de maneira estratégica e há uma ênfase constante nos efeitos estéticos prometidos: pele luminosa, livre de poros, “mais clara”, “mais limpa”.
É aí que o cuidado com a pele passa a ser confundido com uma forma de consumo disfarçada de autocuidado.
Na prática, adolescentes são bombardeadas por mensagens que reforçam que beleza está diretamente ligada ao uso de cosméticos — especialmente os mais caros, com embalagens atrativas e promessas milagrosas.
A pesquisa da Northwestern identificou que, embora o conteúdo seja produzido por jovens, há um forte apelo publicitário por trás desses vídeos.
Muitas das influenciadoras replicam discursos padronizados, que exaltam ingredientes como ácidos, antioxidantes e outros ativos que, em excesso ou mal combinados, representam um risco real para a pele ainda em formação dos adolescentes.
Além disso, menos de 30% das rotinas incluíam o uso de protetor solar, um item essencial para qualquer faixa etária. Isso mostra que, apesar de parecerem informativas, essas rotinas não têm fundamento científico e não priorizam os aspectos realmente importantes do cuidado com a pele.
Padrões de beleza e o viés da “pele clara”
Outro ponto levantado pelo estudo diz respeito à linguagem utilizada nos vídeos. De forma sutil, mas presente, há expressões que remetem à valorização da pele mais clara e luminosa — o que reforça um padrão estético ligado a ideais eurocêntricos.
Esse tipo de conteúdo pode ser especialmente danoso para meninas não brancas, que acabam expostas a mensagens que associam beleza e saúde à tonalidade da pele.
Como destaca a médica pesquisadora Tara Lagu, coautora do estudo, há uma correlação direta entre essas mensagens e a construção de padrões que privilegiam certos grupos sociais, excluindo outros de forma silenciosa, porém impactante.
O mais preocupante é que esses conteúdos são entregues por algoritmos que moldam o que os adolescentes veem diariamente.
Isso significa que, mesmo sem buscar ativamente, crianças e adolescentes entram em contato com vídeos que promovem ideais de beleza muitas vezes inalcançáveis — e, pior, com um viés racial embutido.
Skincare como expressão de status
O skincare adolescente promovido nas redes sociais não se resume a uma questão de saúde da pele. Trata-se também de um marcador social.
Mostrar que se usa vários produtos caros — alguns ultrapassando facilmente os R$ 500 por mês — acaba se tornando um símbolo de status, algo que diferencia quem “pode” cuidar da pele e quem “não pode”.
Esse fenômeno gera não apenas pressão entre os adolescentes, como também acirra desigualdades sociais.
Muitos jovens passam a acreditar que precisam desses produtos para se sentirem aceitos, bonitos ou confiantes, o que pode causar frustração, sentimento de inadequação e até bullying.
É importante lembrar que, na maioria das vezes, o público que consome esses conteúdos não tem acesso à orientação dermatológica adequada.
O que se vê é a reprodução de hábitos sem embasamento, em nome de uma estética promovida por influenciadores — muitos deles também sem orientação profissional.
O papel da família e dos profissionais de saúde
Para conter esse cenário, é essencial que pais, responsáveis e profissionais de saúde estejam atentos ao que os adolescentes estão consumindo nas redes sociais.
Não se trata de demonizar o skincare ou os cuidados com a pele, mas sim de trazer informação segura, com base científica, e que respeite as necessidades reais de cada faixa etária.
Rotinas básicas, com poucos produtos, são mais indicadas para adolescentes.
Sabonete facial suave, hidratante adequado e protetor solar já formam uma rotina eficaz para a maioria dos jovens. Produtos com ativos mais potentes, como ácidos esfoliantes ou clareadores, só devem ser usados com indicação médica.
É fundamental também discutir com os adolescentes o impacto das redes sociais na autoestima.
Questionar a veracidade dos conteúdos, conversar sobre marketing disfarçado de recomendação pessoal e reforçar que beleza e saúde não são a mesma coisa são caminhos possíveis para tornar os jovens mais críticos e protegidos.
Por que é preciso dizer “não” à tendência?
O skincare adolescente promovido no TikTok pode parecer inofensivo — até bonito e divertido —, mas esconde uma série de armadilhas. Riscos à saúde da pele, reforço de padrões estéticos excludentes, estímulo ao consumo exagerado e desinformação estão entre os principais problemas observados por especialistas.
Em vez de seguir cegamente o que aparece nas redes, é hora de resgatar o essencial: cuidado com base na ciência, respeito ao estágio de desenvolvimento da pele e incentivo a uma relação mais saudável com a própria imagem.
Dizer “não” a essas tendências não é ser radical. É proteger a saúde física e emocional dos adolescentes. E, principalmente, ajudá-los a compreender que a verdadeira beleza está muito além de uma embalagem bonita ou de uma rotina copiada da internet.
📌 Leitura Recomendada: Saúde mental dos adolescentes: como o comportamento nas redes sociais pode revelar fragilidades