Não cometa esses erros nos cuidados com o idoso, alerta especialista

Oferecer cuidados com o idoso é um desafio que vai muito além das necessidades físicas.

À medida que a população brasileira envelhece (segundo o IBGE, em 2030 o número de pessoas com 60 anos ou mais deve ultrapassar o de crianças e adolescentes até 14 anos), cresce também a responsabilidade das famílias, instituições e profissionais em oferecer um cuidado que seja não apenas eficiente, mas também respeitoso, digno e afetivo.

No entanto, em muitos contextos, o cuidado cotidiano é permeado por atitudes que, embora bem-intencionadas, acabam diminuindo a autonomia, a autoestima e até a identidade do idoso. 

Tratar o idoso com superioridade, falar com ele como se fosse uma criança, tomar decisões por ele sem perguntar sua opinião ou ignorar o que ele ainda consegue fazer sozinho são atitudes que, apesar de comuns no dia a dia, podem diminuir sua autoestima e independência.

Mesmo quando feitas com boa intenção, muitas vezes os cuidadores ou familiares não percebem os prejuízos causados.

Esse tipo de comportamento, conhecido como infantilização do idoso, pode gerar danos emocionais significativos, além de acelerar quadros de dependência. 

O SaúdeLab conversou com a médica gerontóloga Valéria Lins para entender como evitar a infantilização no dia a dia e quais estratégias familiares e cuidadores podem adotar para garantir que o idoso continue sendo reconhecido em sua história, desejos e dignidade. 

A seguir, você confere orientações práticas, exemplos reais e reflexões sobre o verdadeiro significado de cuidar com respeito e escuta ativa.

A importância de um olhar respeitoso nos cuidados com o idoso

“Cuidar de um idoso não é o mesmo que cuidar de uma criança”, afirma a médica gerontóloga Valéria Lins

Com anos de atuação em Centros Dia (serviço que cuida de idosos durante o dia) e instituições de longa permanência, ela observa com frequência um erro comum: 

“Uma das coisas que mais incomoda nós, gerontólogos, é perceber que muitos cuidados são prestados com base na infantilização da pessoa idosa. Falar no diminutivo — como ‘bracinho’ ou ‘comidinha’ — ou dizer frases como ‘vou buscar ele na creche’ (quando se refere a um Centro Dia) não só é desrespeitoso, como apaga toda a história de vida daquela pessoa”.

A médica alerta que esse tipo de linguagem e atitude pode parecer inofensivo à primeira vista, mas contribui para apagar a identidade construída por décadas. 

“Estamos falando de alguém que viveu no mínimo 65 anos, que construiu trajetórias, enfrentou desafios, educou filhos, formou profissionais e sustentou famílias. É fundamental que o cuidado reconheça e honre essa trajetória”, reforça.

Respeitar o idoso em sua integralidade é um dos pilares de um cuidado humanizado. 

Isso significa enxergar a pessoa além das limitações que possam surgir com o envelhecimento. 

“Mesmo quando há comprometimento cognitivo, isso não justifica a infantilização”, alerta a médica. 

Segundo dados do IBGE (2022), cerca de 14,9% das pessoas com 60 anos ou mais apresentam algum grau de declínio cognitivo.

Nesses casos, o risco de “automatizar” o cuidado aumenta. 

“É justamente nesse cenário que o risco de cair na armadilha da rotina é maior — padronizar o olhar, deixar de ver aquela pessoa como um sujeito ativo de direitos, desejos e história”, pontua Valéria.

Ela lembra que o declínio cognitivo, ainda que presente, não anula a identidade da pessoa. 

“Oferecer cuidados sem tratá-lo como criança é entender que ele é adulto, e que parte do nosso papel é preservar ao máximo sua autonomia, respeitar suas decisões, escutar suas vontades e estimular sua independência — e não substituir suas capacidades por conveniência ou pressa”, assevera. 

Comportamentos comuns que podem infantilizar sem intenção

Mesmo com boa vontade, muitas famílias acabam assumindo posturas que retiram a autonomia da pessoa idosa. 

A médica cita exemplos recorrentes:

“Usar linguagem infantilizada ou tom de voz condescendente. Tomar decisões por ele sem consultar sua opinião. Superproteger a ponto de fazer tudo por ele: dar o copo de água na mão, controlar o que ele vai vestir, falar por ele em consultas médicas”.

Ela alerta que essas atitudes podem parecer cuidadosas, mas podem ter efeitos negativos a longo prazo. 

“Me recordo de uma atuação em uma ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos) onde os cuidadores, na ânsia de serem solícitos, faziam absolutamente tudo pelos moradores — inclusive dar o controle remoto da TV na mão, quando eles podiam perfeitamente se mover e pegar sozinhos. Com o tempo, esses idosos se tornaram mais dependentes do que realmente eram. O excesso de zelo pode, sem querer, limitar”.

Outro exemplo ocorre com a linguagem usada para descrever ambientes especializados. 

“Durante meu trabalho em um Centro Dia, muitos familiares se referiam ao espaço como ‘creche’, dizendo: ‘vou buscar meu pai na creche às 19h’. Isso evidencia um olhar infantilizado sobre o idoso. Não, ele não está em uma creche. Ele está em um espaço terapêutico, voltado para estimulação cognitiva, social, física e emocional”.

Preservando a autonomia em meio aos cuidados com o idoso

Respeitar a autonomia do idoso é, para a gerontóloga Valéria Lins, um dos maiores atos de amor e responsabilidade. 

“A base está em reconhecer a autonomia como um direito, não um privilégio”, afirma.

Entre as práticas recomendadas, ela destaca:

  • Envolver o idoso nas decisões sobre sua rotina e seus cuidados;
  • Estimular a continuidade das Atividades da Vida Diária (AVDs) e Instrumentais (AIVDs), como escovar os dentes, preparar uma refeição ou organizar suas finanças;
  • Adaptar o ambiente para que ele possa circular com segurança;
  • Incentivar o autocuidado com hábitos que fortalecem a autoestima, como escolher a roupa, cortar o cabelo ou pintar as unhas;
  • Praticar a escuta ativa e evitar a imposição autoritária.

Mesmo em situações mais complexas, como nos casos de demência avançada, a médica reforça que o respeito deve permanecer como base do cuidado. 

“Reconheço que há casos em que o idoso está em estágio avançado de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, e nesses casos a dependência é real e crescente. No entanto, mesmo nesses contextos, há formas de manter o respeito, evitar o tom infantilizado e preservar, na medida do possível, a dignidade daquele sujeito”.

Apoio emocional também é cuidado

Além dos aspectos físicos, os cuidados com o idoso devem contemplar o suporte emocional. 

E esse apoio, segundo a especialista, é muitas vezes negligenciado. 

“Mais do que cuidados físicos, os idosos precisam de presença afetiva e sentido de pertencimento. O apoio emocional mais importante nessa fase está relacionado ao sentimento de continuidade: saber que ainda têm um papel na família, que são ouvidos, lembrados e que ainda têm muito a contribuir”.

Ela compartilha ações simples, mas que fazem diferença:

  • Incentivar vínculos sociais, seja com amigos da mesma geração ou com os netos;
  • Ouvir suas histórias com atenção genuína;
  • Estimular registros afetivos, como diários de memória ou cadernos de receitas;
  • Incluir o idoso nas decisões familiares;
  • Criar espaços seguros para expressão de sentimentos;
  • Evitar tons autoritários ou linguagem que desrespeite sua trajetória.

Outro ponto levantado por Valéria é a inclusão digital. 

“Ensinar com paciência, especialmente sobre tecnologia. Apoiar o idoso no uso de aplicativos, redes sociais ou serviços digitais não é apenas funcional, é também um convite para que ele participe do mundo atual com mais autonomia e autoconfiança”.

Cuidados com o idoso: o reconhecimento como essência 

Por fim, a médica sintetiza sua visão com uma reflexão: 

“A verdade é que o oposto da infantilização não é apenas a independência. É o reconhecimento. Reconhecer a história, o desejo, a dor, a potência daquela pessoa”.

Para ela, oferecer cuidados com o idoso é, acima de tudo, reconhecer que o envelhecimento não significa fim, mas continuidade. 

“Cuidar com respeito é olhar para o idoso não como alguém que está ‘encerrando um ciclo’, mas como alguém que ainda está escrevendo sua história, e que merece viver essa fase com dignidade, afeto e presença”.

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Sobre a especialista: Valéria Lins é cofundadora da Nandarê, um espaço em São Paulo focado em envelhecimento saudável que promove aulas integradas para mente e corpo voltadas ao público 45+. Gerontóloga com formação internacional adquirida por meio de um programa sanduíche entre a Universidade de São Paulo e a University of Wisconsin, Valéria possui quase uma década de experiência em gerontologia e transformação em saúde. Atuou na liderança de projetos voltados à eficiência operacional das principais operadoras de saúde do país. Sua missão é ampliar o acesso à saúde para idosos, promovendo uma assistência centrada na integralidade e no bem-estar, com foco em garantir mais vida aos anos.

 

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Michele Azevedo
Michele Azevedo

Formada em Letras - Português/ Inglês, pós-graduada em Arte na Educação e Psicopedagogia Escolar, idealizadora do site Escritora de Sucesso, empresária, redatora e revisora dos conteúdos do SaúdeLab.

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