Violência obstétrica não é mimimi. É trauma. E a saúde mental materna sente

"Violência obstétrica não é algo raro. Ela está nos hospitais, nas maternidades, nas unidades básicas de saúde. E, o mais grave, ela continua sendo normalizada".

Durante anos, quando eu perguntava em palestras o que era violência obstétrica, quase ninguém sabia responder. Mesmo entre profissionais da saúde, muitos nunca tinham ouvido esse termo.

Hoje, felizmente, essa realidade mudou.

Muita gente já ouviu falar. Mas isso não significa que saibam identificar ou compreender o que essa violência causa na vida das mulheres. E é exatamente sobre isso que eu quero falar.

Violência obstétrica: quando o cuidado se transforma em trauma

Violência obstétrica não é algo raro. Ela está nos hospitais, nas maternidades, nas unidades básicas de saúde. E, o mais grave, ela continua sendo normalizada.

Não se trata de uma agressão qualquer. É um tipo específico de violência institucional, cometida por profissionais da saúde, durante a gestação, o parto ou o pós-parto.

E ela pode ser física, verbal, psicológica, sexual ou institucional.

Pode vir de um médico, uma enfermeira, um psicólogo ou qualquer outro profissional que deveria estar ali para acolher, mas acaba machucando.

Essa violência aparece quando o bebê é afastado da mãe sem justificativa, quando a mulher é impedida de escolher a posição em que quer parir, quando o acompanhante é barrado, quando uma episiotomia, corte no períneo, é feita sem necessidade ou explicação, quando o soro com ocitocina – o famoso sorinho – é administrado sem indicação.

Ou quando frases cruéis são ditas, como: “Na hora de fazer não gritou” ou “até o ano que vem, né?”. Tudo isso é violência obstétrica. E tudo isso adoece.

As marcas invisíveis da violência obstétrica na saúde mental materna

Um dos poucos estudos de grande escala sobre o tema, o Nascer no Brasil, conduzido pela Fiocruz, mostrou que uma em cada quatro mulheres já sofreu esse tipo de violência.

E esse número provavelmente está subestimado, porque ele só considera os casos em que a mulher reconheceu a agressão.

Mas muitas não sabem que o que viveram foi uma violência, simplesmente porque nunca foram orientadas sobre seus direitos.

Muitas mulheres não conseguem dar nome ao que viveram. Sentem que algo não foi certo durante o parto, mas não sabem explicar.

Só depois de conhecerem mais sobre o tema percebem que aquilo que parecia “normal” era, na verdade, uma forma de violência. E o impacto disso é profundo.

Já está comprovado que a violência obstétrica aumenta o risco de depressão perinatal, transtorno de estresse pós-traumático e tocofobia – um medo irracional de engravidar ou parir.

Muitas mulheres chegam ao consultório sem entender o que estão sentindo. Não sabem por que não conseguem dormir, por que evitam segurar o próprio bebê, por que têm crises de ansiedade quando alguém fala em parto.

Cabe a nós, profissionais, termos escuta atenta e domínio técnico para identificar esses sinais. Porque, se a gente não reconhece a violência, a culpa volta para a mulher. E ela sofre sozinha.

Mas não são só os transtornos mentais que preocupam.

A violência obstétrica também prejudica a amamentação e o vínculo mãe-bebê. Quando o bebê não vai direto para o colo da mãe, quando não mama na primeira hora de vida, quando há separação precoce, o impacto é real.

A Organização Mundial da Saúde recomenda amamentação exclusiva até os seis meses. No Brasil, só cerca de 33% das mulheres conseguem. E muitas desistem por causa da forma como foram tratadas no parto. A culpa, mais uma vez, não é delas.

Se você passou por algo parecido e não soube dar nome na hora, saiba: você não está sozinha. E não é tarde para buscar ajuda. Falar sobre isso é o primeiro passo.

Você pode procurar um psicólogo perinatal, relatar sua experiência, entender seus sentimentos. Também pode denunciar.

A Ouvidoria do SUS, as Defensorias Públicas e os coletivos de apoio à maternidade acolhem relatos como o seu.

Violência obstétrica é real: o que as mulheres enfrentam e ninguém vê

A violência obstétrica precisa parar de ser tratada como detalhe.

Ela não é exceção. Ela é parte de um sistema que ainda silencia mulheres, infantiliza gestantes e deslegitima a dor de quem acabou de parir.

Não basta o bebê nascer. A mãe precisa estar viva, física e emocionalmente. Porque o parto é, sim, um evento psicológico. E onde há dor ignorada, há trauma.

Por tudo isso, repito que a violência obstétrica não é mimimi. É um problema de saúde pública. E só vamos mudar essa realidade quando escutarmos essas mulheres sem julgamento, com respeito e responsabilidade.

Nenhuma mulher deveria sair do parto com a sensação de que foi violentada. E nenhuma deveria carregar essa dor sozinha.

*Rafaela Schiavo é psicóloga perinatal e fundadora do Instituto MaterOnline. Dedica-se à saúde mental materna desde sua formação inicial, sendo autora de centenas de trabalhos científicos voltados à redução dos altos índices de sofrimento emocional durante a gestação e o puerpério.

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Psic Rafaela Schiavo
Psic Rafaela Schiavo

Rafaela Schiavo é psicóloga perinatal e fundadora do Instituto MaterOnline. Dedica-se à saúde mental materna desde sua formação inicial, sendo autora de centenas de trabalhos científicos voltados à redução dos altos índices de sofrimento emocional durante a gestação e o puerpério.

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