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Será mesmo que o açafrão pode ajudar no tratamento do Alzheimer e da depressão?
Com o aumento da expectativa de vida, cresce também a incidência de condições que afetam diretamente a saúde mental e cognitiva da população idosa.
A depressão e o Alzheimer estão entre os desafios mais recorrentes, complexos e debilitantes enfrentados tanto pelos pacientes quanto por seus cuidadores e familiares.
Diante das limitações das terapias convencionais — que muitas vezes apresentam efeitos colaterais e benefícios restritos — cresce o interesse por alternativas naturais que possam complementar os tratamentos disponíveis.
Entre essas alternativas, um ingrediente chama a atenção: o açafrão. Mas, o açafrão verdadeiro e não a cúrcuma.
Tradicionalmente usado como especiaria e remédio natural em países como Irã, Índia e regiões do Mediterrâneo, o açafrão tem ganhado destaque em estudos científicos recentes por seu possível efeito sobre o humor, a memória e a neuroproteção.
Mas até que ponto essa promessa é real? Será mesmo que o açafrão pode ajudar no tratamento do Alzheimer e da depressão? Vamos entender aqui, no SaúdeLAB.
Depressão e Alzheimer: um desafio crescente
Estima-se que cerca de 5% da população adulta global sofra de depressão, com prevalência ainda maior entre os idosos.
Além disso, o Alzheimer afeta milhões de pessoas no mundo, sendo uma das principais causas de demência progressiva. Muitas vezes, a depressão e a ansiedade surgem como sintomas iniciais de processos neurodegenerativos, dificultando o diagnóstico precoce.
Os tratamentos disponíveis incluem antidepressivos e medicamentos específicos para sintomas cognitivos, como os inibidores da acetilcolinesterase (ex: donepezila) e moduladores do glutamato (ex: memantina).
Apesar dos avanços, esses fármacos nem sempre são bem tolerados e apresentam limitações na eficácia, especialmente nos estágios mais avançados da doença.
Diante desse cenário, pesquisadores têm se voltado para alternativas naturais com potencial terapêutico. E é aqui que o açafrão começa a se destacar.
O que diz a ciência sobre o açafrão?
Um artigo de revisão publicado recentemente na revista Cureus trouxe uma análise detalhada sobre os efeitos neuroprotetores do açafrão e seus principais compostos ativos: crocina, crocetina e safranal.
O objetivo foi reunir evidências de estudos clínicos que investigaram o uso do açafrão no tratamento da depressão e do Alzheimer.
A revisão apontou que, em pessoas com depressão leve a moderada, o uso do açafrão produziu efeitos comparáveis aos de antidepressivos tradicionais, como a fluoxetina — um inibidor seletivo da recaptação de serotonina.
Além disso, os participantes dos estudos apresentaram boa tolerabilidade ao extrato da planta, com poucos efeitos colaterais relatados, geralmente leves, como náusea e dor de cabeça.
No caso de pacientes com comprometimento cognitivo leve (MCI) ou Alzheimer, os resultados também foram animadores.
O açafrão demonstrou melhora nas funções cognitivas, com efeitos semelhantes aos de medicamentos como memantina e donepezila. Os estudos foram realizados com uma dosagem consistente de 30 mg por dia, o que dá maior confiabilidade aos resultados.
Entretanto, apesar do potencial, os próprios autores da revisão alertam para limitações importantes: os estudos foram majoritariamente de curta duração, com amostras pequenas e realizados em um número restrito de países — especialmente no Irã, principal produtor mundial da especiaria.
Além disso, há uma grande variação na composição dos extratos utilizados, dificultando a padronização dos resultados.
Como o açafrão pode atuar no cérebro?
O interesse da ciência pelo açafrão não é recente, mas os avanços mais recentes têm permitido entender melhor seus mecanismos de ação. Diversos estudos demonstram que seus compostos ativos atuam em diferentes vias relacionadas à saúde mental e à função cognitiva:
1. Modulação de neurotransmissores:
A crocina e o safranal influenciam positivamente os níveis de serotonina, dopamina e noradrenalina — neurotransmissores diretamente envolvidos no controle do humor. Essa ação é semelhante à de muitos antidepressivos, o que pode explicar os efeitos positivos observados nos estudos.
2. Inibição da acetilcolinesterase:
O açafrão também inibe a enzima que degrada a acetilcolina, neurotransmissor essencial para a memória e a aprendizagem. Esse é o mesmo alvo de medicamentos usados no tratamento do Alzheimer, como a donepezila.
3. Atividade antioxidante:
O estresse oxidativo está fortemente relacionado à neurodegeneração. Os compostos do açafrão possuem potente ação antioxidante, combatendo radicais livres e ajudando a preservar a integridade dos neurônios.
4. Ação anti-inflamatória:
A inflamação crônica, especialmente no cérebro, está presente tanto na depressão quanto no Alzheimer. O açafrão age inibindo vias inflamatórias importantes, como a ativação do inflamassoma NLRP3 e a produção de citocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6 e IL-1β).
5. Estímulo à plasticidade sináptica:
A crocina aumenta os níveis do Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF), uma proteína fundamental para a formação de novas conexões neurais e para a regeneração cerebral. Esse mecanismo é especialmente relevante na recuperação de funções cognitivas perdidas.
Desafios para o uso clínico do açafrão
Apesar do potencial terapêutico demonstrado em estudos clínicos e laboratoriais, a introdução do açafrão como parte integrante do tratamento médico enfrenta diversos obstáculos.
Um dos principais é a falta de padronização dos extratos utilizados nas pesquisas. A concentração de compostos ativos como crocina e safranal pode variar bastante de acordo com fatores como origem geográfica, época da colheita, método de secagem e condições de armazenamento.
Essa variabilidade compromete tanto a reprodutibilidade dos estudos quanto a confiança no uso do produto em ambientes clínicos.
Em termos práticos, isso significa que dois extratos de açafrão adquiridos de fontes distintas podem apresentar composições completamente diferentes, com impactos diretos na eficácia e na segurança do tratamento.
Além disso, o custo do açafrão puro é bastante elevado, sendo considerado uma das especiarias mais caras do mundo. Isso se deve à forma de produção extremamente delicada e manual: são necessárias cerca de 150 mil flores para se obter um quilo de açafrão seco.
Essa limitação econômica torna o produto pouco acessível para grande parte da população e representa uma barreira significativa para seu uso em larga escala.
Outro desafio é a ausência de aprovação regulatória formal por agências como a FDA (Food and Drug Administration, nos EUA) ou a EMA (European Medicines Agency, na Europa).
Embora o açafrão seja reconhecido como seguro quando usado como alimento ou suplemento em baixas doses, ainda não há autorização para sua comercialização com alegações terapêuticas no tratamento de doenças específicas como depressão ou Alzheimer.
Isso também significa que o produto não é reembolsado por sistemas de saúde ou planos de saúde, limitando sua inserção no sistema público e privado de saúde.
Por fim, é importante destacar que a maioria dos estudos realizados até o momento foi de curta duração e com grupos pequenos. Embora os resultados sejam promissores, eles não permitem conclusões definitivas sobre os efeitos de longo prazo, especialmente em populações mais diversas e em diferentes fases da doença.
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Potencial terapêutico ou apenas coadjuvante?
Diante desses pontos, é necessário ter cautela.
O açafrão pode, sim, representar uma alternativa interessante como tratamento complementar, especialmente para pessoas que apresentam intolerância ou efeitos colaterais aos medicamentos convencionais.
Porém, com os dados disponíveis hoje, não se pode recomendar seu uso como substituto dos tratamentos estabelecidos.
No caso da depressão, por exemplo, é importante lembrar que se trata de uma condição multifatorial, que exige abordagem individualizada e acompanhamento profissional.
Embora os extratos de açafrão tenham mostrado efeitos semelhantes aos dos antidepressivos em alguns estudos, esses resultados ainda não foram confirmados em estudos multicêntricos, com maior rigor metodológico e acompanhamento em longo prazo.
Já no contexto do Alzheimer e do comprometimento cognitivo leve, os achados são animadores, mas ainda iniciais.
As substâncias presentes no açafrão parecem atuar em múltiplas frentes — o que é positivo —, mas ainda não há evidência suficiente para garantir que esses efeitos se mantenham ao longo do tempo, especialmente em estágios avançados da doença.
O que esperar do futuro?
O cenário atual é de expectativa, mas também de prudência.
O açafrão reúne características desejáveis em um agente terapêutico: é natural, geralmente bem tolerado, atua por diferentes mecanismos no sistema nervoso e apresenta bons resultados preliminares.
No entanto, para que ele possa realmente ser incorporado à prática médica com segurança, são necessários mais estudos clínicos de alta qualidade.
Esses estudos devem priorizar não apenas a eficácia, mas também a segurança a longo prazo, a padronização dos extratos, a comparação com diferentes tratamentos já existentes e, idealmente, incluir biomarcadores que ajudem a prever quais pacientes podem se beneficiar mais desse tipo de intervenção.
Outro ponto importante será a definição de protocolos de dose e duração do tratamento, que ainda são bastante variados nas pesquisas publicadas.
A dosagem de 30 mg ao dia, por exemplo, tem sido a mais utilizada nos estudos sobre Alzheimer, mas sua eficácia em diferentes faixas etárias, níveis de gravidade e condições de saúde associadas ainda precisa ser mais bem compreendida.
A busca por terapias mais eficazes, acessíveis e com menos efeitos colaterais para tratar transtornos como depressão e Alzheimer é urgente — e necessária.
O açafrão surge como uma opção interessante nesse contexto, despertando o interesse de pesquisadores e profissionais da saúde.
Por enquanto, no entanto, o que temos são indícios promissores, mas não definitivos. O uso do açafrão como ferramenta terapêutica precisa ser mais bem estudado antes de se tornar parte da rotina clínica.
Ele pode ser considerado como um suplemento coadjuvante, sempre com orientação profissional, especialmente em pessoas que já fazem uso de medicações ou que apresentam outras comorbidades.
Enquanto a ciência avança e os estudos se aprofundam, cabe aos profissionais de saúde acompanhar essa evolução com espírito crítico, mas também com abertura para novas possibilidades.
Afinal, muitas das grandes descobertas da medicina moderna nasceram justamente da observação atenta de substâncias naturais utilizadas há séculos pelas culturas tradicionais.
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