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Esposa e mãe de autistas define: “O segredo do autismo é adaptar-se conforme as necessidades vão surgindo”
Anualmente, no dia 2 de abril, comemora-se o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, com o objetivo de informar sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A ideia da Organização das Nações Unidas (ONU) é que, a cada ano, diminua a discriminação e o preconceito contra os autistas.
O autismo é uma condição que varia de indivíduo para indivíduo (por isso chamado espectro) e em linhas gerais, é caracterizada por desafios em habilidades sociais, comportamentos repetitivos, fala e comunicação não-verbal.
“Antes do diagnóstico precisamos viver fingindo, disfarçando aquilo que chamam de esquisitices”, explica o YouTuber Fabio Souza, o Tio Faso. Ele, que também é bonequeiro, ilustrador e ativista pela conscientização do autismo, foi diagnosticado autista leve aos 35 anos.
Casada com o Tio Faso, Liz Miranda, artista, artesã e jardineira nas “horas vagas”, desconfiou do autismo do marido quando estava grávida de Gustavo, primeiro filho do casal. Hoje, o menino tem cinco anos e também tem o diagnóstico do TEA.
“Eu acho que fui treinada sem saber para ser esposa e mãe de autista, eu sempre consumi muito conteúdo a respeito por pura curiosidade”, conta Liz. “Em 2018, eu estava grávida e na sala de espera da minha endócrino li uma reportagem sobre mulheres com diagnóstico tardio. Tudo o que elas diziam eu já havia escutado do Faso”, explica ela. A sensação foi de descoberta.
“Me perguntei como eu nunca havia percebido, pois estava na minha cara o tempo todo e eu tinha conhecimento para ter percebido antes”, relembra a artista.
“Quando mencionei o TEA, Fábio me olhou feio, ficou bravo. Ao contrário de mim ele não tinha nenhum conhecimento a respeito e a primeira reação foi de negação”, explica a artesã. Meses depois, as coisas mudaram.
Saber-se autista, afinal, foi reconfortante. “Quando finalmente descobri quem eu sou de verdade, tudo passou a fazer sentido”, pontuou Tio Faso.
“Parei de querer morrer e agora caminho para finalmente me conhecer por completo”, comemora ele.
Convivendo com o autismo
Conviver com dois autistas, para Liz, é “adaptar-se conforme as necessidades vão surgindo”. Ela explica que Fábio tem necessidade de desligar-se quando passa por excessos de estímulos, enquanto Liz se diz ansiosa e faz muitas coisas ao mesmo tempo. O Gustavo e até o cão, chamado Canjuca, é elétrico. “Aos poucos a gente vai entendendo o que cada um precisa e vai aprendendo as melhores formas de lidar com essas demandas”, explica ela.
Depois do diagnóstico, ela confessa que passou a enxergar as atitudes do marido com outros olhos. Por outro lado, Fábio enxergou e passou a trabalhar determinadas atitudes e pensamentos rígidos. “Nossa comunicação também mudou a partir do momento que eu entendi que quando ele me contava algo era literal, ele estava falando literalmente isso”, lembra Liz.
A rede de apoio ajuda muito na rotina familiar. A escola, as terapias e a família, principalmente os pais da Liz, que ficam com o Gustavo quando o casal tem compromissos de trabalho.
A vida em família
A parte boa, segundo a artesã, é que formam um bom time, tanto como família como trabalhando juntos. “Somos companheiros. Assim como eu, Fábio faz almoço, lava roupas, cuida da casa e da família”, destaca Liz. Então, entre eles não existe “coisa de homem e coisa de mulher”, a única coisa que só ele faz é dirigir, uma vez que ela não se sente bem ao volante.
Porém, o calo aperta quando se trata de cuidar de si mesma. “A gente se esquece bastante disso depois de ter filho, principalmente quando a criança é atípica”, confessa a artesã. “No entanto, faço terapia todas as terças-feiras pela manhã e Yoga as quintas-feiras e mexo com minhas plantas sempre que consigo ou quando elas gritam”, brinca Liz.
Por outro lado, Gustavo já foi diagnosticado, o que para a mãe facilita muito. “O sofrimento que o Faso passou até o diagnóstico chegar, ele nunca vai ter. Logo, ele não vai precisar fingir ser neurotípico, já que as terapias são para desenvolvê-lo, não pra esconder o autismo”, enfatiza a mãe.
“Cada avanço é uma vitória e dizemos constantemente o quanto o amamos e nos orgulhamos dele”, frisa Liz.
As crises
“O Gu é muito ligado a mim e quando tem crise fica no meu colo chorando e limpando o nariz nas minhas roupas, como se eu fosse lenço de papel”, diverte-se Liz, explicando que pode durar 15 minutos ou duas horas.
“Para alguém ansioso como eu, focado em tudo que é preciso fazer, esse tempo de choro é um exercício de paciência e tanto”, desabafa a mãe. “Às vezes me sinto nervosa e angustiada, mas eu sei que ele precisa disso. Já entendi que preciso ficar em silêncio para ele se acalmar, com o rosto dele escondido no meu colo”, define Liz.
A melhor forma de tirá-lo da crise, portanto, é respeitando o tempo da criança. Assim que começa a passar, a mãe desvia o foco com algo divertido. “Ontem, por exemplo, ele não queria sair do carro depois que chegou da terapia, estava sentado na cadeirinha chorando”, conta a artista.
Por isso, ela entrou no carro e o amparou. Ao perceber que estava calmo, chamou a atenção do menino para uma borboleta e deu certo, conseguiram entrar em casa.
Já o marido, durante as crises, precisa da presença e apoio da Liz. Em uma das crises mais fortes, quando ainda estava descobrindo o autismo e ela ainda não imaginava o que fazer, acabaram procurando o Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
“Foi assustador, eu não entendia o que estava acontecendo e não sabia como ajudá-lo. Depois conversando, ele me disse que no auge do desespero, escutar minha voz falando com ele o acalmava”. Agora, Liz entende que os dois precisam do mesmo colo, mas de maneiras diferentes.
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