O que é ser mãe atípica? Entenda os desafios que precisam ser superados

Para além da definição, ser mãe atípica é tentar abraçar o mundo, sem receber um abraço de volta!

Uma mãe atípica é aquela cujo filho possui alguma condição atípica, como autismo, por exemplo. Também, uma mãe atípica pode ser aquela em que ela mesma possui alguma condição.

Hoje, no SaúdeLAB, eu mesma, Heloisa, vou contar um pouco da minha trajetória enquanto mãe atípica e mulher atípica.

O que é ser mãe atípica?

Olá, muito prazer! Eu sou Heloisa, uma mulher de 36 anos, que descobriu tardiamente que é autista. E meu diagnóstico veio junto do diagnóstico do meu filho.

À princípio, ser mãe atípica é ter um filho atípico, ou seja, uma pessoa que não se encaixa no desenvolvimento considerado “padrão” ou típico, de acordo com os parâmetros da Medicina e outras áreas da Saúde. Isto é, pode ser uma síndrome rara, uma deficiência ou doença crônica.

Porém, por muito tempo, ignorou-se que as mães também pudessem ter suas próprias condições de atipicidade.

Principalmente quando falamos em transtornos mentais – condições do neurodesenvolvimento -, existe a genética envolvida, com um alto percentual de herdabilidade. Então, não é incomum que um filho seja diagnosticado com autismo, por exemplo, e em seguida, os pais busquem por autoconhecimento e acabem tendo seus próprios diagnósticos tardios.

Mas hoje não vou falar sobre ciência. Vou falar sobre a minha experiência e o que vejo nos mais diversos grupos de mães atípicas nos quais faço parte.

Ser mãe atípica perpassa por muitas outras questões para além da maternidade e além, muito além, do significado da maternidade atípica.

Os encantos da maternidade atípica

Ainda que a maternidade, atípica ou não, seja permeada por romantização – que devemos combater, claro, para sermos de fato vistos e valorizados -, os encantos que me refiro aqui são aquelas pequenas conquistas diárias de um diálogo bem sucedido, de uma negociação em que todos ganham e daquelas etapas da infância que são atingidas, independentemente do nível de sucesso.

No caso da maternidade atípica, cada conquista acaba tendo um gostinho maior de sucesso, porém.

Veja, meu filho autista tem dificuldade em socializar. Isso não quer dizer que ele não queira ou não goste. Apenas que socializar envolve muitas ferramentas de comunicação, regulação sensorial, dentre outros requisitos. Então, para uma criança típica, o ato de socializar vem naturalmente – e dentro de um prazo padrão estipulado pela ciência.

Mas, para uma criança atípica, a socialização pode precisar de um auxílio. E, de repente, ver o filho socializando pode ser o maior encanto de uma mãe atípica.

Ou seja, são nas pequenas coisas que a maternidade atípica se apoia. Por outro lado, ainda que haja muitos sabores nessa receita da vida, os dissabores, certas vezes, ofuscam a beleza.

Basicamente, não existe falar em maternidade atípica sem trazer os desafios diários e gigantescos que vivemos em nosso dia a dia.

Os desafios da maternidade atípica

Heloísa Santos, uma mulher branca de cabelos pretos, com seu filho Oliver, uma criança pequena. Eles estão montados em um cavalo, com uma casa e árvores ao fundo.
Heloísa Santos, uma mãe atípica, com seu filho Oliver. Foto: Acervo Pessoal

Sim, existem desafios com nossas crianças atípicas, assim como existem desafios diários para as mães e pais típicos. Afinal, criar um ser humano é o trabalho mais difícil que existe.

Entretanto, ser mãe atípica é viver em batalha. Com plano de saúde, com escola, com terapias, com o planeta todo. Enquanto tentamos abraçar o mundo, não recebemos um abraço de volta.

Em síntese, uma mãe atípica precisa conciliar – na maioria das vezes sem rede de apoio – suporte, sessões de terapias, trabalho, trabalho doméstico, logística…

As batalhas

Segundo um estudo divulgado no Journal of Autism and Developmental Disorders, o estresse vivido por uma mãe atípica assemelha-se com o estresse vivido por soldados combatentes.

E isso não tem a ver com nossos filhos. Mas sim com a estrutura que segue nos penalizando e excluindo.

Por exemplo, não existe uma lei específica que garanta que podemos ter flexibilidade no trabalho sem que a nossa remuneração seja impactada, ou sem que tenhamos que compensar as horas em que estamos no deslocamento para terapias e em sessões com nossos filhos.

De fato, existe a lei em âmbito federal, mas somente para servidores públicos.

Aliás, se você quiser saber mais sobre alguns direitos para pais e pessoas com deficiência (especialmente autistas), sugiro que veja a matéria aqui.

O que acontece é que a maioria das mães atípicas acaba ficando desempregada, tendo que deixar de lado suas carreiras e estudos, porque a estrutura não permite que elas possam conciliar a maternidade atípica com qualquer outra coisa que minimamente relembre suas identidades e conte sobre suas próprias histórias.

Além disso, a maior parte precisa lutar pelo acesso à educação inclusiva e às terapias por meio dos planos de saúde. Por consequência, muitas mães que precisam deixar suas carreiras e estudos de lado acabam indo para o campo da militância, sem remuneração, juntando-se a grupos de outras mães atípicas para reivindicar direitos, acessibilidade e inclusão. Ou seja, reivindicar o básico.

Até ano passado, por exemplo, as mães faziam filas em Brasília para derrubar o Rol Taxativo para cobertura dos planos de saúde. Felizmente, essa foi uma batalha ganha, mas a guerra nunca parou.

Mesmo constando em leis, muitos planos de saúde, escolas e demais instituições nas esferas privada e pública se recusam a prover serviços e continuam propagando ações preconceituosas, capacitistas e criminosas contra pessoas com deficiência, síndromes raras e doenças crônicas.

Então, as mães vão para a linha de frente, para mais batalhas no campo judicial.

As mães atípicas dos grupos minoritários

Ademais, precisamos fazer o recorte racial e de classe social, o que deixa o buraco ainda mais fundo.

Entenda, diagnóstico e mínimo acesso a terapias e tratamentos são privilégios no Brasil. Obviamente, não deveriam ser. Mas, na realidade, são!

Se mães atípicas com seus laudos regularizados, completos e atualizados – assim como os laudos dos seus filhos -, já têm dificuldades e enfrentam barreiras na inclusão e acessibilidade a partir dos seus direitos previstos em leis, o que podemos dizer daquelas mães que nem possuem acesso à investigação diagnóstica, para então, obterem laudos?

Em resumo, laudo acaba se tornando mais uma ferramenta de segregação dentro de tais recortes, do que um recurso para garantia de direitos de forma efetiva.

Heloísa Santos com seu filho Oliver montados em um cavalo.
Heloísa Santos, uma mãe atípica, com seu filho Oliver. Foto: Acervo Pessoal

Ser mãe atípica é permanecer 

No fim, as mães atípicas ficam. Permanecem na luta e permanecem em alerta.

Infelizmente, ser mãe atípica num mundo que está longe de ser inclusivo, é permanecer em batalhas.

Felizmente, ser mãe atípica é muito mais que ver valor nas pequenas vitórias. É saber que estamos cimentando a base para um mundo que ainda acreditamos que um dia vai se tornar inclusivo e melhor.

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