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Gravidez na adolescência: por que acolher é mais importante do que julgar
Falta de diálogo e preconceito agravam o impacto emocional da maternidade precoce; especialista explica como o acolhimento familiar protege mãe e bebê
A adolescência é uma das fases mais intensas da vida emocional. É quando corpo e identidade se transformam, e o mundo parece exigir definições antes do tempo. E quando uma gravidez na adolescência acontece, dois momentos de vulnerabilidade se encontram, e o impacto pode ser profundo.
A nova novela das nove aborda a história de uma adolescente que enfrenta uma gravidez não planejada e o desafio de criar o filho sozinha, repetindo o mesmo destino vivido por outras mulheres de sua família.
A trama retrata o ciclo da maternidade precoce e do abandono paterno, temas ainda muito presentes na realidade brasileira.
A ficção, embora dramatizada, reflete uma situação real que ainda marca muitas meninas no país: a falta de diálogo, o medo do julgamento e a ausência de acolhimento no momento em que mais precisam de proteção.
Gravidez na adolescência: um retrato que ainda preocupa
Segundo o Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas, uma em cada 23 adolescentes brasileiras se torna mãe por ano.
Entre 2020 e 2022, mais de 1 milhão de meninas de 15 a 19 anos tiveram filhos, e, entre 10 e 14 anos, foram registrados mais de 49 mil partos.
Esses números revelam que a ausência de diálogo dentro das famílias e das escolas ainda é um dos principais fatores associados à gravidez precoce.
O tabu em torno da sexualidade adolescente cria um ciclo de silêncio que dificulta o acesso à informação e à prevenção.
Muitas meninas não têm liberdade para conversar sobre corpo, métodos contraceptivos ou desejo, e esse silêncio, muitas vezes, as coloca em risco.
O impacto emocional de uma gestação precoce
O período da adolescência já é um tempo potencial de risco para a saúde mental.
A gravidez na adolescência, por sua vez, amplia esse risco e exige atenção redobrada da família e dos profissionais de saúde.
Além das transformações hormonais e sociais, há o medo do julgamento, o abandono do parceiro e o afastamento escolar.
Em alguns casos, há ainda a reação violenta de familiares, e isso pode desencadear sofrimento psíquico grave, com sentimentos de culpa e rejeição.
O olhar moralista ainda imposto sobre a adolescente grávida aprofunda o sofrimento e reforça o isolamento.
Em vez de apoio, muitas recebem julgamento, o que fragiliza o vínculo e reduz a busca por ajuda.
Quando o estresse e a ansiedade se mantêm elevados durante a gestação, há liberação contínua de cortisol, hormônio que, em excesso, pode afetar o desenvolvimento do bebê.
Por isso, o cuidado emocional é tão importante quanto o pré-natal físico. Essas adolescentes precisam ser vistas, ouvidas e acompanhadas.
E o primeiro passo para isso é o acolhimento, não a crítica.
A gravidez na adolescência e o papel dos pais
Quando uma filha adolescente engravida, é natural que os pais se sintam frustrados.
Mas a forma como essa frustração é expressa faz toda a diferença.
Acolher não significa concordar, mas proteger. É possível dizer “não era o que eu esperava, mas eu estou com você”.
Essa é a base de uma relação segura e de um pré-natal emocionalmente saudável.
Os pais também precisam de orientação profissional.
O acompanhamento com um psicólogo perinatal e parental pode ajudá-los a compreender seus próprios sentimentos e a estabelecer limites sem perder o vínculo.
Isso é fundamental para que a adolescente compreenda o novo papel que viverá, sem ser punida por ele.
A orientação precoce também ajuda a prevenir formas de violência, inclusive a obstétrica, que ainda atinge adolescentes grávidas tratadas com descaso ou julgamento em serviços de saúde.
Educação sexual é cuidado, não estímulo
Falar sobre sexualidade ainda é um desafio em muitos lares.
Há quem acredite que conversar sobre sexo estimula o início da vida sexual, mas a ciência mostra o oposto, que a educação sexual é fator de proteção, não de incentivo.
O diálogo franco, desde a infância, ensina sobre respeito, consentimento e prevenção.
Quando o tema é tratado sem barreiras, o jovem toma decisões mais conscientes e reconhece seus próprios limites.
O que as famílias podem fazer
- Acolher antes de reagir. O primeiro passo é escutar, não punir. Mostrar que a adolescente não está sozinha ajuda a reduzir o estresse e o medo.
- Buscar acompanhamento psicológico. Um psicólogo perinatal e parental pode apoiar emocionalmente tanto os pais quanto a adolescente.
- Iniciar o pré-natal o quanto antes. Esse cuidado é essencial para a saúde da mãe e do bebê.
- Manter o diálogo aberto. Falar sobre corpo, emoções e dúvidas fortalece o vínculo e previne rupturas.
- Preservar o projeto de vida da adolescente. Incentivar a continuidade dos estudos e do convívio social é parte do cuidado psicológico.
- Evitar o isolamento. A rede de apoio deve se organizar para dividir tarefas e oferecer presença constante.
- Buscar apoio institucional. Escola e serviços de saúde são parte dessa rede, garantir que a adolescente continue estudando e acompanhada por profissionais é fundamental para seu desenvolvimento emocional e social.
O acolhimento familiar é a principal forma de prevenção e de cuidado diante da gravidez na adolescência.
Expulsar, punir ou silenciar não resolve, apenas amplia o sofrimento e interrompe possibilidades de reconstrução.
Quando a família acolhe, cria espaço para que a jovem continue estudando, receba acompanhamento no pré-natal e encontre suporte para reescrever a própria história.
A psicologia perinatal mostra que é na presença, e não no julgamento, que o vínculo se fortalece.
Acolher é permitir que essa menina viva a maternidade com dignidade, cercada de afeto e de oportunidades para seguir.
Porque o amor, quando chega antes do julgamento, tem o poder de mudar o destino.
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*Rafaela Schiavo é psicóloga perinatal e fundadora do Instituto MaterOnline. Dedica-se à saúde mental materna desde sua formação inicial, sendo autora de centenas de trabalhos científicos voltados à redução dos altos índices de sofrimento emocional durante a gestação e o puerpério.



