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Tremedeira e irritação: é crise de ansiedade ou hipoglicemia reativa?
Imagine a cena: a pessoa acabou de almoçar um prato de massa, talvez acompanhado de um refrigerante, e ainda finalizou com uma sobremesa. Estava tudo bem. No entanto, cerca de duas ou três horas depois, uma sensação estranha e desconfortável toma conta do corpo.
O coração dispara sem motivo aparente. As mãos ficam levemente trêmulas, um suor frio surge na testa e uma irritação inexplicável aparece repentinamente.
Esse conjunto de sintomas pode estar ligado à hipoglicemia reativa, uma condição em que o nível de açúcar no sangue cai algumas horas após refeições ricas em carboidratos.
Para quem já convive com o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) ou Síndrome do Pânico, o pensamento imediato costuma ser: “Lá vem uma crise”.
Mas e se essa “crise” tiver uma origem metabólica, e não puramente emocional?
Algumas pessoas podem passar anos tratando esses episódios apenas como crises emocionais, sem investigar possíveis fatores metabólicos associados.
Portanto, compreender a conexão entre as oscilações de glicose e os sintomas físicos de ansiedade é fundamental para diferenciar o que é da mente e o que é do prato.
O que acontece no corpo durante a queda de açúcar?
Para entender o mal-estar, precisamos analisar a “montanha-russa” bioquímica que ocorre na corrente sanguínea.
Quando ingerimos uma grande quantidade de carboidratos refinados (como farinha branca, açúcar, massas e bolos) de uma única vez, os níveis de glicose no sangue sobem rapidamente.
O pâncreas, em resposta, libera uma quantidade significativa de insulina — o hormônio responsável por transportar a glicose para dentro das células, gerando energia.
O problema ocorre quando essa resposta é exagerada.
Em alguns organismos, o corpo libera insulina em excesso, removendo o açúcar do sangue com tanta rapidez e intensidade que os níveis caem para patamares abaixo do normal (hipoglicemia).
É nesse momento que ocorre o “crash”. O cérebro, que depende majoritariamente de glicose para funcionar plenamente, entra em estado de alerta.
Ele interpreta essa falta súbita de energia como uma ameaça à sobrevivência.
Leitura Recomendada: Quanto tempo para reverter pré-diabetes? Tudo que você precisa para ter sucesso!
Por que os sintomas imitam uma crise de pânico?
A confusão entre as duas condições não é coincidência; é fisiológica.
Quando o cérebro percebe que a glicose caiu bruscamente, ele aciona o sistema nervoso simpático e ordena que as glândulas suprarrenais liberem hormônios contrarreguladores: adrenalina e cortisol.
A função biológica dessa descarga de adrenalina é estimular o fígado a liberar estoques de glicose para o sangue.
No entanto, a adrenalina possui efeitos colaterais potentes e imediatos:
- Taquicardia (coração acelerado);
- Tremores nas extremidades;
- Sudorese (suor frio, geralmente nas mãos e testa);
- Sensação de perigo iminente;
- Nervosismo e agitação.
Ou seja, os sintomas físicos gerados pela tentativa do corpo de recuperar a glicose são praticamente idênticos aos de um ataque de pânico.
O corpo está estressado quimicamente, o que pode ser facilmente confundido com estresse psicológico.
O “Teste do Relógio”: como diferenciar as condições?
Embora apenas um médico possa oferecer um diagnóstico definitivo — geralmente através da curva glicêmica —, a observação do tempo é uma ferramenta útil para diferenciar as situações.
A hipoglicemia reativa segue um padrão temporal metabólico.
Características da Crise de Ansiedade
Geralmente é desencadeada por um gatilho emocional, preocupações excessivas, estresse acumulado ou, às vezes, sem motivo aparente.
Importante: ela não tem “hora marcada” rígida em relação à sua última refeição.
Características da Hipoglicemia Reativa
Costuma ocorrer de forma bastante previsível, geralmente entre 2 a 4 horas após uma refeição rica em carboidratos simples ou açúcares.
Faça uma autoanálise:
- Você consumiu massas, pães, doces ou bebidas açucaradas na última refeição?
- Faz entre duas e quatro horas que você comeu?
- Se você comer algo agora, os tremores e a taquicardia diminuem em cerca de 15 a 20 minutos?
Se a resposta for “sim” para essas perguntas, há uma grande probabilidade de ser uma queda glicêmica.
Em uma crise de ansiedade clássica, comer um pedaço de queijo ou uma fruta não costuma reverter os sintomas físicos tão rapidamente.
Leitura Recomendada: 8 sintomas de pré-diabetes: conheça os sinais preocupantes
A irritabilidade da fome (o efeito “Hangry”)
A ciência explica por que ficamos mal-humorados quando estamos com fome.
Em inglês, usa-se o termo Hangry (união de hungry/faminto com angry/bravo).
A irritabilidade é um sinal de neuroglicopenia, que é um termo médico para a escassez de glicose no cérebro.
Na hipoglicemia reativa, essa mudança de humor é súbita.
O córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo autocontrole e regulação emocional, perde eficiência temporariamente quando a glicose cai.
Ruídos tornam-se insuportáveis e a paciência diminui drasticamente.
Portanto, antes de atribuir sua irritação a uma recaída emocional, avalie sua alimentação recente.
Leitura Recomendada: 10 SINAIS que seu corpo dá quando o AÇÚCAR DO SANGUE está muito ALTO
Estratégias nutricionais para evitar a hipoglicemia
Caso os seus sintomas sejam causados pela hipoglicemia reativa, o manejo principal é nutricional.
O objetivo é manter a curva glicêmica estável, evitando picos excessivos que resultam em quedas bruscas.
Confira mudanças simples baseadas na fisiologia digestiva:
1. Evite consumir carboidratos isolados
Comer um pão francês puro ou um prato somente de macarrão facilita a absorção rápida do açúcar. A estratégia ideal é “amortecer” esse carboidrato adicionando fibras, proteínas ou gorduras saudáveis.
Vai comer pão? Adicione ovos mexidos ou queijo.
Vai comer macarrão? Garanta uma porção generosa de frango, carne ou peixe e vegetais.
Vai comer uma fruta? Acompanhe com castanhas, sementes ou iogurte.
Esses nutrientes retardam o esvaziamento gástrico, fazendo com que a glicose entre no sangue de forma mais lenta e gradual.
2. A ordem dos alimentos importa
Estudos sugerem que iniciar a refeição pelas fibras (salada) e proteínas, deixando o carboidrato por último, pode reduzir significativamente o pico de glicose pós-prandial.
Isso cria uma “barreira” no sistema digestivo que modula a absorção.
3. Atenção ao café da manhã
Após o jejum noturno, o corpo está mais sensível à insulina.
Começar o dia com suco de laranja, pão com geleia e café adoçado é a receita para um pico glicêmico seguido de uma queda e tremedeira no meio da manhã.
Opte por um café da manhã com maior teor proteico (ovos, queijos, iogurtes naturais) e fibras (aveia, sementes).
4. Fracionamento estratégico
Se você tem tendência à hipoglicemia, longos períodos de jejum podem ser um gatilho.
Um lanche da tarde com baixo índice glicêmico (como um punhado de amêndoas ou uma fruta com casca) pode evitar que você chegue ao jantar com níveis de açúcar excessivamente baixos.
Quando buscar orientação médica?
Embora ajustes dietéticos resolvam grande parte dos casos, a investigação clínica é indispensável.
A hipoglicemia reativa pode, em alguns casos, ser um sinal precoce de resistência à insulina ou pré-diabetes.
O corpo pode estar sinalizando dificuldade em metabolizar carboidratos eficientemente.
Procure um médico endocrinologista se os episódios forem frequentes, se houver desmaios ou se os sintomas persistirem mesmo após as mudanças alimentares.
O acompanhamento com um nutricionista também é essencial para elaborar um plano alimentar personalizado, garantindo energia constante e protegendo não apenas seu metabolismo, mas também sua saúde mental.
Aprender a “ler” os sinais do corpo é o primeiro passo para retomar o controle.
Leitura Recomendada: Lista de alimentos que diabético pode comer: 100 opções seguras e saudáveis
- BRUN, J. F.; FEDOU, C.; MERCIER, J. Postprandial Reactive Hypoglycemia. PMC – NIH. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC7192270/.
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- MAYO CLINIC Reactive hypoglycemia: What causes it? Mayo Clinic. Disponível em: https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/diabetes/expert-answers/reactive-hypoglycemia/faq-20057778.



