As técnicas de reprodução assistida e as novas famílias: como a ciência realiza sonhos e promove inclusão e diversidade

Por Márcia Mendonça Carneiro*

Formar uma família é um desejo de muitas pessoas e aparece na lista de prioridades para o novo ano que se inicia. Entre as transformações sociais e culturais das últimas décadas, a formação das famílias com certeza foi bastante influenciada e novas configurações surgiram. Neste contexto, o papel das técnicas de reprodução assistida (TRA) tem sido decisivo. Entenda mais sobre reprodução assistida, aqui no SaúdeLAB.

Reprodução Assistida

Os avanços da medicina reprodutiva, ramo da medicina que se ocupa da avaliação e tratamento das alterações da fertilidade humana, abriram inúmeras oportunidades para as mulheres receberem tratamentos avançados quando têm dificuldade de alcançar a maternidade. Além disso, ao esclarecer vários processos relacionados à ovulação e à gravidez, permitiu o desenvolvimento de técnicas e tratamentos antes impensados.

Em 1978, o nascimento de Louise Brown, o primeiro bebê gerado a partir do processo da fertilização in vitro (FIV) graças ao trabalho inovador dos médicos Robert Edwards, Patrick Steptoe e Jane Purdue, na Inglaterra, surpreendeu o mundo. A reação ao feito extraordinário foi um misto de espanto e preocupação com a possibilidade de se criar vidas em tubos de ensaio e as consequências de tais avanços para as gerações futuras.

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Evolução da técnica

O desenvolvimento da FIV (reprodução assistida) permitiu uma melhor compreensão da fisiologia feminina e o surgimento de procedimentos diagnósticos e medicamentos para identificar e tratar desde distúrbios ovulatórios a doenças genéticas. O surgimento de técnicas de biópsia embrionária tornou possível o estudo genético de embriões humanos e a seleção de embriões saudáveis, eliminando o risco de doenças graves antes intratáveis, como a hemofilia e a fibrose cística do pâncreas. Estimativas atuais revelam que 8 milhões de bebês nasceram com uso da FIV em todo o mundo e, no ano 2100, cerca de 3% da população global população nascerá graças às TRA.

O progresso tecnológico após o nascimento de Louise Brown foi enorme e inclui atualmente uma gama de procedimentos que extrapolaram o tratamento da infertilidade e levaram a FIV para outras áreas da medicina, incluindo oncologia e genética, para citar algumas. Além disso, o uso das TRA abriu oportunidades de maternidade e paternidade para casais homoafetivos, bem como para solteiros, por meio do uso da doação de sêmen e de óvulos, e até do útero de substituição (“barriga de aluguel”).

Dra Márcia Mendonça Carneiro.
Márcia Mendonça Carneiro é Diretora científica Clínica Origen, Professora Associada- Departamento de Ginecologia e Obstetrícia – Faculdade de Medicina da UFMG. Foto: Divulgação

Dados publicados pelo HFEA (Human Fertilisation and Embryology Authority), órgão britânico responsável pela fiscalização e controle da TRA, mostram que, embora as pessoas em relacionamentos heterossexuais (90%) ainda sejam a maioria de usuários de TRA, o número de casais homoafetivos femininas (6,4 %) e pessoas solteiras (3,2%) vem aumentando.

No início, procedimentos que agora consideramos padrão como a FIV foram recebidos com descrença, medo e até protestos. Os pioneiros da área provavelmente não poderiam imaginar o impacto que as TRA trariam para nossas vidas nem que poderia ser uma ferramenta de inclusão e diversidade, pois permitem a construção de famílias para todos. O congelamento de óvulos vem sendo cada vez mais utilizado por mulheres sem parceiros, refletindo uma tendência dos últimos anos de adiamento da maternidade, com aumento durante a pandemia, pois muitas mulheres decidiram postergar a gravidez e as taxas de natalidade diminuíram no período.

Números só aumentam

Dados publicados recentemente pelo HFEA mostram que os nascimentos de bebês após tratamentos com sêmen doado mais do que triplicaram de 2006 a 2019, principalmente devido ao aumento do uso da reprodução assistida por mulheres em relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras.

Apesar de todos os avanços, permanecem questões éticas e científicas relacionadas ao desenvolvimento embrionário, reserva ovariana e infertilidade masculina. O acesso universal às TRA configura um grande desafio a ser superado em todo o mundo. Além do custo elevado, barreiras religiosas e culturais limitam o uso desses tratamentos. Por isso, investir em educação e informação para que as pessoas possam fazer escolhas livres e informadas sobre sua saúde reprodutiva é fundamental. Os avanços são muitos e a medicina reprodutiva caminha a passos largos, permitindo a inúmeras pessoas a chance de ter seus próprios filhos. Médicos e pesquisadores espalhados pelo mundo trabalham incansavelmente superando limites, proporcionando a realização de sonhos e a construção de famílias para todos.

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Colaboração

* Márcia Mendonça Carneiro é diretora científica da Clínica Origen BH e professora titular do Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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