Fumar deixa marcas duradouras nos dentes — mesmo depois de parar

O cigarro é amplamente conhecido por seus impactos severos na saúde pulmonar, cardiovascular e até na pele.

Mas uma nova descoberta chama a atenção para um aspecto muitas vezes negligenciado: os efeitos duradouros do tabagismo nos dentes — mesmo anos após a última tragada.

Um estudo conduzido por pesquisadores da Northumbria University, no Reino Unido, revelou que os dentes guardam registros biológicos profundos da exposição ao tabaco, oferecendo pistas permanentes sobre o hábito de fumar. Ou seja, fumar prejudica os dentes.

A pesquisa, publicada na revista científica PLOS One, analisou a estrutura de dentes humanos e revelou que, mesmo após parar de fumar, alterações deixadas pelo cigarro permanecem visíveis em uma região específica da raiz dentária, chamada cemento.

Essas marcas se tornam uma espécie de “impressão digital” do tabagismo, com implicações não apenas para a saúde bucal, mas também para áreas como a ciência forense e a arqueologia.

O que é o cemento e por que ele é tão importante?

O dente humano é composto por três tecidos duros: esmalte, dentina e cemento. O cemento é uma camada mineralizada que reveste a raiz do dente, protegendo suas estruturas mais internas.

À medida que envelhecemos, o cemento se espessa em ciclos regulares, formando anéis de crescimento semelhantes aos encontrados em troncos de árvores.

Esses anéis podem revelar informações valiosas sobre a idade do indivíduo, fases da vida, e agora, como mostra a nova pesquisa, hábitos como o tabagismo.

A área de estudo que investiga esses anéis é chamada de cementocronologia, uma ferramenta já utilizada para estimar idade em contextos forenses e arqueológicos.

No entanto, essa é a primeira vez que se documenta, com base nessas estruturas, o impacto do tabaco de forma tão clara e consistente.

O estudo: como o cigarro deixa cicatrizes nos dentes

No estudo, a equipe da Northumbria University analisou 88 dentes — parte deles extraídos de pacientes em tratamento odontológico, e outra parte proveniente de achados arqueológicos datados entre os séculos XVIII e XIX.

Os pesquisadores observaram que os anéis do cemento apresentavam interrupções e irregularidades em sua formação nos dentes de indivíduos que haviam fumado, fossem fumantes ativos ou ex-fumantes.

Essas interrupções foram detectadas em 70% dos ex-fumantes, 33% dos fumantes atuais, e em apenas 3% dos não fumantes, o que sugere uma forte associação entre o tabagismo e alterações no crescimento do cemento.

De forma ainda mais surpreendente, essas marcas permanecem mesmo muitos anos após o abandono do cigarro, mostrando que o tecido não regenera completamente sua estrutura original.

O que muda nos dentes de quem fumou?

Um dos achados mais relevantes da pesquisa foi o espessamento anormal do cemento em ex-fumantes.

Os cientistas acreditam que, ao interromper o consumo de cigarro, o organismo tenta retomar o padrão natural de crescimento dos anéis cementários.

No entanto, essa tentativa de normalização acaba deixando uma espécie de “cicatriz” permanente na estrutura dental.

Em fumantes ativos, o padrão de crescimento continua irregular, com anéis interrompidos, finos ou malformados.

Já nos ex-fumantes, observa-se que o cemento começa a se depositar novamente de forma mais espessa, como se o corpo estivesse reforçando aquela área após um período de agressão contínua.

Essa diferença de espessura e padrão nos anéis pode, portanto, denunciar o histórico de tabagismo mesmo anos após o abandono do hábito.

A analogia com os anéis de uma árvore ajuda a entender: é como se, durante os anos em que a árvore passou por secas ou pragas, seus anéis fossem mais finos ou falhos.

O dente, da mesma forma, registra o período em que foi exposto ao tabaco.

Impactos além da estética: fumar prejudica os dentes

É comum associar os danos do cigarro aos dentes apenas à coloração amarelada e ao mau hálito. Mas o alcance do tabagismo é muito mais profundo.

Substâncias tóxicas presentes no cigarro, como a nicotina e o monóxido de carbono, afetam diretamente a circulação sanguínea das gengivas e o metabolismo dos tecidos orais.

Esses efeitos sistêmicos favorecem o desenvolvimento de doenças periodontais — como a gengivite e a periodontite —, e aumentam o risco de perda dentária precoce.

Além disso, o tabaco compromete a resposta imunológica na cavidade oral, dificultando a cicatrização de feridas e a recuperação após procedimentos odontológicos.

A nova pesquisa reforça que os danos não são apenas superficiais. O dente carrega um registro biológico da exposição prolongada ao tabaco — algo que não pode ser revertido com clareamento ou higienização.

Da saúde à ciência forense: aplicações práticas da descoberta

Além das implicações clínicas, os pesquisadores destacam a relevância do achado para a medicina legal e a arqueologia.

Em contextos forenses, como desastres naturais, acidentes aéreos ou situações em que o DNA do indivíduo não está disponível em bancos de dados, os dentes podem ser uma ferramenta valiosa para identificação.

Por meio da análise do cemento, é possível estimar a idade de uma pessoa no momento da extração dentária, identificar marcadores de eventos fisiológicos importantes e, agora, também detectar o histórico de tabagismo.

Essa informação pode ser decisiva na reconstrução de perfis biográficos e na identificação de restos mortais.

Em sítios arqueológicos, a técnica abre portas para estudos sobre os hábitos de populações antigas.

A presença de marcas nos dentes de indivíduos que viveram entre os séculos XVIII e XIX, como observado na pesquisa, revela padrões de consumo de tabaco em diferentes contextos históricos, ajudando a traçar aspectos culturais e sociais da época.

O que são os medicamentos citados na pesquisa?

Embora a pesquisa não foque diretamente em tratamentos ou medicamentos, é importante contextualizar que muitos fumantes, ao tentar abandonar o cigarro, recorrem a terapias farmacológicas, como adesivos de nicotina, gomas de mascar com nicotina ou medicamentos como a vareniclina e o bupropiona.

A vareniclina atua nos receptores cerebrais de nicotina, reduzindo os sintomas de abstinência e o prazer associado ao fumo.

A bupropiona, originalmente um antidepressivo, também é eficaz na cessação do tabagismo por modular neurotransmissores ligados ao desejo e à recompensa.

Esses medicamentos não são isentos de efeitos colaterais e devem ser usados sob prescrição médica.

Eles não interferem diretamente na estrutura dental, mas têm papel fundamental ao ajudar o paciente a interromper o hábito, o que evita a progressão dos danos bucais.

A importância de parar de fumar — quanto antes, melhor

Embora o estudo mostre que as marcas do cigarro permanecem nos dentes mesmo após abandonar o vício, isso não significa que parar de fumar seja em vão.

Pelo contrário: interromper o tabagismo o quanto antes ainda é a melhor forma de evitar danos maiores à saúde — bucal e geral.

A pesquisa indica que, após o fim do hábito, o corpo tenta compensar os danos anteriores ao depositar cemento de maneira mais robusta.

Essa adaptação, embora deixe registros visíveis, também representa uma resposta positiva do organismo ao afastamento do tabaco.

Além disso, ao parar de fumar, o indivíduo reduz consideravelmente o risco de doenças como câncer de boca, perda óssea ao redor dos dentes e infecções graves na gengiva.

Ou seja, mesmo que os dentes mantenham uma “memória” do cigarro, os benefícios da cessação se refletem em todas as outras funções do corpo — da respiração à digestão, da circulação ao sistema imunológico.

📌 Leitura Recomendada: Atividade física na infância e tabagismo: quanto exercício por dia pode diminuir o risco de fumar?

O papel da odontologia na abordagem do tabagismo

Cirurgiões-dentistas são profissionais estratégicos na luta contra o tabagismo.

Por estarem em contato direto com os sinais bucais precoces do cigarro, podem alertar os pacientes sobre os efeitos negativos ainda antes que doenças mais graves se instalem.

O acompanhamento odontológico frequente é essencial para:

  • Detectar lesões bucais suspeitas;
  • Avaliar a saúde das gengivas e do suporte ósseo dos dentes;
  • Orientar sobre métodos de higiene específicos para fumantes ou ex-fumantes;
  • Encaminhar para apoio médico, psicológico ou farmacológico, quando necessário.

Além disso, muitos consultórios já integram protocolos de apoio à cessação do tabagismo, com abordagem acolhedora e personalizada, considerando que o vício no cigarro envolve dependência física, emocional e comportamental.

Uma mensagem para o futuro (e para o presente)

A ideia de que os dentes podem contar histórias da vida de uma pessoa ganha um novo significado com essa descoberta. Afinal, fumar prejudica os dentes.

O cemento dental, até então uma estrutura pouco valorizada fora do meio científico, mostra-se agora como uma testemunha silenciosa de nossos hábitos — inclusive os prejudiciais.

Mais do que um dado curioso, essa revelação tem implicações sérias: o cigarro deixa marcas profundas, mesmo onde não vemos.

O fato de essas marcas permanecerem por décadas, mesmo após parar de fumar, é um lembrete de que as escolhas de hoje moldam — literalmente — nosso corpo amanhã.

Essa nova fronteira entre ciência odontológica e história da saúde humana também reforça a importância da prevenção como estratégia de saúde pública.

Campanhas de conscientização, acesso a tratamentos para abandono do tabagismo e informação de qualidade são ferramentas indispensáveis para proteger as futuras gerações.

Os dentes não esquecem

Fumar não apenas altera a cor e a resistência dos dentes. Agora sabemos que ele também modifica estruturas profundas e permanentes, deixando cicatrizes visíveis sob o microscópio mesmo anos após o último cigarro.

O estudo da Northumbria University lança luz sobre um aspecto pouco conhecido da saúde bucal e mostra que o corpo registra nossas histórias de forma precisa.

E, mesmo que os danos deixem marcas, o abandono do cigarro continua sendo a decisão mais importante para preservar a saúde como um todo.

Se os dentes falassem, contariam muito mais do que imaginamos. E para quem fuma ou já fumou, essa é uma boa razão para escutá-los com mais atenção.

📌 Leitura Recomendada: O que é DPOC: estudo revela que mulheres têm maior risco mesmo sem fumar

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Michele Azevedo
Michele Azevedo

Formada em Letras - Português/ Inglês, pós-graduada em Arte na Educação e Psicopedagogia Escolar, idealizadora do site Escritora de Sucesso, empresária, redatora e revisora dos conteúdos do SaúdeLab.

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