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NavWear: dispositivo vestível amplia autonomia de pessoas com deficiência visual ao detectar obstáculos
Pesquisadores brasileiros desenvolveram um dispositivo vestível que ajuda pessoas com deficiência visual a detectar obstáculos acima da linha da cintura. Com câmera 3D e alertas por vibração, o sistema promete maior autonomia e segurança. Saiba como a tecnologia foi testada e seus próximos passos.
A locomoção independente é um dos maiores desafios enfrentados por pessoas com deficiência visual. Embora a bengala branca seja uma ferramenta essencial, sua eficácia se limita a obstáculos abaixo da linha da cintura, deixando cabeças, galhos, placas e outros objetos suspensos fora do alcance sensorial.
Agora, uma inovação desenvolvida por pesquisadores brasileiros promete preencher essa lacuna: um sistema vestível que detecta barreiras no caminho e alerta o usuário por meio de vibrações táteis.
O dispositivo, chamado NavWear, foi criado por uma equipe multidisciplinar das universidades Estadual Paulista (Unesp) e Federal do Espírito Santo (Ufes).
Integrado a uma mochila, ele combina uma câmera com sensor RGB de profundidade – capaz de capturar imagens em três dimensões, semelhante à visão humana – e um minicomputador de alta performance (Jetson Nano), responsável por processar os dados em tempo real.
Quando um obstáculo é identificado, vibradores acoplados às alças da mochila emitem alertas direcionais: se o objeto está à esquerda, vibra o lado esquerdo; se à direita, o lado direito; e, se à frente, ambos os lados.
Os detalhes do projeto foram publicados na revista Disability and Rehabilitation: Assistive Technology, destacando não apenas a eficácia tecnológica, mas também a preocupação com a experiência do usuário – um diferencial em relação a outros dispositivos assistivos.
Por que o feedback tátil, e não sonoro?
Aline Darc Piculo dos Santos, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP) e principal autora do estudo, explica que a escolha pelo sistema de vibração, em vez de alertas sonoros, foi estratégica.
“Para pessoas com deficiência visual, o sentido auditivo é crucial para a orientação espacial. Introduzir sons adicionais poderia causar sobrecarga sensorial ou até mascarar ruídos ambientais importantes, como o trânsito ou a voz de outras pessoas“, afirma Santos, que desenvolveu o protótipo durante seu doutorado na Unesp, com apoio da FAPESP, CNPq e Fapes.
O NavWear não pretende substituir a bengala, mas complementá-la. “A bengala é uma extensão do corpo do usuário, e a mochila atua como uma camada adicional de segurança, ampliando a percepção do ambiente“, ressalta a pesquisadora.
Design centrado no usuário: conforto e aceitação
Muitas tecnologias assistivas falham não por limitações técnicas, mas por negligenciar aspectos práticos do dia a dia. Pensando nisso, a equipe priorizou:
- Ergonomia: Os componentes eletrônicos ficam armazenados na mochila, com fios discretamente passando por dentro das alças para evitar desconforto.
- Aparência: O design foi pensado para parecer um acessório comum, reduzindo o estigma associado a dispositivos médicos.
- Interação intuitiva: O sistema opera de forma autônoma, sem exigir comandos complexos do usuário.
Além disso, os pesquisadores colaboraram com uma instituição para cegos durante o desenvolvimento, ouvindo relatos sobre dificuldades cotidianas. “A maioria dos dispositivos existentes foca apenas na funcionalidade, ignorando como o usuário se relaciona com a tecnologia. Isso impacta diretamente a adesão”, observa Santos.
Testes e resultados preliminares
Em um estudo inicial, 11 adultos (entre pessoas com visão normal vendadas e profissionais da área de saúde) testaram o NavWear em um ambiente controlado. Os resultados foram animadores:
- Redução de colisões: A combinação da bengala com o sistema vibratório diminuiu significativamente o contato com obstáculos suspensos.
- Sensação de segurança: Participantes relataram maior confiança ao percorrer trajetos desconhecidos.
- Aceitação do conceito: A vibração direcional foi considerada intuitiva e menos intrusiva que soluções baseadas em áudio.
No entanto, uma limitação importante foi a impossibilidade de testar o protótipo com pessoas cegas durante a fase de desenvolvimento – um reflexo das restrições impostas pela pandemia de COVID-19.
“Sabemos que a interação pode variar em usuários com deficiência visual congênita, mas os dados preliminares validam o potencial do dispositivo“, pondera Santos.
Próximos passos: do laboratório para as ruas
A equipe já planeja melhorias, como:
- Redução de peso: Substituir componentes por versões mais leves e compactas.
- Bateria de maior duração: Garantir autonomia para uso prolongado.
- Testes em ambientes reais: Parcerias com organizações de cegos para avaliar eficácia em cenários urbanos complexos.
Enquanto isso, o estudo chama a atenção para um debate mais amplo: a necessidade de tecnologias assistivas que equilibrem inovação e humanização. “Não basta detectar obstáculos; é preciso que o dispositivo se integre naturalmente à vida do usuário”, conclui Santos.
Um futuro com mais Autonomia
O NavWear representa um avanço promissor na busca por mobilidade independente. Se aprimorado e validado em larga escala, poderá se tornar uma ferramenta tão essencial quanto a bengala – não por substituí-la, mas por expandir os limites do que é possível enxergar, mesmo sem os olhos.
Para quem vive em um mundo projetado para pessoas que veem, soluções como essa não são apenas conveniências tecnológicas. São passos concretos em direção a uma sociedade verdadeiramente inclusiva.
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