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Comer “funcional” ajuda ou atrapalha? Como encontrar o equilíbrio sem abrir mão do prazer à mesa
Nos últimos anos, tenho acompanhado uma transformação curiosa na forma como as pessoas falam sobre alimentação. Se antes o prato era descrito como arroz, feijão, carne e salada, hoje a linguagem passou a ser outra: carboidrato, proteína, fibra e gordura.
Para muitos, essa mudança soa como uma perda de prazer à mesa — como se comer tivesse deixado de ser um ato cultural e afetivo para se tornar apenas uma contagem matemática de macros.
Na prática clínica, porém, percebo que essa nova forma de olhar para a comida pode representar um ganho de consciência, e não o contrário.
Quando o paciente entende onde estão os carboidratos, quais são as melhores fontes de proteína e como as fibras contribuem para o equilíbrio do corpo, ele amplia sua autonomia e se torna capaz de montar refeições mais nutritivas em diferentes contextos.
A ciência confirma esse benefício: estudos mostram que maior conhecimento nutricional está associado a melhores escolhas alimentares e a um padrão de alimentação equilibrada, mais próximo do ideal de saúde pública.
Em outras palavras, nomear os grupos alimentares ajuda a tomar decisões mais conscientes — e não menos prazerosas.
Quando a busca pela alimentação equilibrada vira rigidez
O problema surge quando essa consciência se transforma em rigidez.
Há pessoas que levam a contagem ao extremo e começam a demonizar determinados alimentos, principalmente os carboidratos.
É aí que o comportamento saudável pode dar lugar a um quadro de ortorexia, a obsessão por comer de forma perfeita.
Esse tipo de relação com a comida gera ansiedade, culpa, isolamento social e até deficiências nutricionais.
A literatura médica mostra que a busca excessiva por uma dieta “limpa” pode ser tão nociva quanto uma alimentação desregrada.
Por isso, insisto com meus pacientes que o objetivo não é seguir números de forma inflexível, mas usar esse conhecimento como ferramenta de equilíbrio.
O prazer de comer também faz parte da alimentação equilibrada
O prazer de comer não deve ser visto como inimigo da saúde.
O que costumo explicar é que precisamos diferenciar o prazer que vem de um prato equilibrado e saboroso daquele que surge quando usamos a comida como válvula de escape emocional.
Quando o alimento passa a ser um recurso para lidar com estresse, ansiedade ou frustração, entramos em um padrão de comer disfuncional, que prejudica o metabolismo e a relação com o corpo.
Comer movido por emoção negativa está associado a maior risco de ganho de peso e a dificuldades em manter resultados de longo prazo.
Carboidrato não é vilão: o papel do equilíbrio
Outro ponto importante é tirar o estigma do carboidrato.
Ao contrário do que muitas dietas da moda pregam, esse macronutriente não é inimigo.
O que precisamos discutir é a qualidade, a quantidade e o contexto.
Grãos integrais, frutas, legumes e leguminosas são fontes de carboidratos saudáveis e devem fazer parte de uma alimentação equilibrada.
Cortar carboidratos indiscriminadamente pode até gerar perda de peso rápida, mas tende a ser insustentável e provocar deficiências — além de estimular episódios de compulsão.
Proteínas, fibras e o eixo intestino-cérebro
Outros dois pilares essenciais da alimentação são as proteínas e as fibras.
As proteínas ajudam a preservar a massa muscular, sustentam a saciedade e favorecem o metabolismo.
Já as fibras alimentam a microbiota intestinal, estabilizam a glicemia e regulam os sinais de fome e saciedade.
Esse conjunto é capaz de reduzir inflamações silenciosas, prevenir doenças metabólicas e ainda melhorar o humor — já que o intestino conversa diretamente com o cérebro por meio do chamado eixo intestino-cérebro.
É nesse ponto que o conhecimento sobre “macros” se torna uma ferramenta poderosa para a saúde: saber incluir proteína em todas as refeições e manter boas fontes de fibras no prato transforma a forma como o corpo responde à dieta e dá mais estabilidade à energia ao longo do dia.
Como manter uma alimentação equilibrada sem perder o prazer?
A chave é entender que equilíbrio não significa perfeição.
Um paciente que aprende a identificar onde estão os nutrientes consegue ajustar seu prato de forma prática no dia a dia.
Se vai comer uma pizza no jantar, pode equilibrar o café da manhã e o almoço com mais proteína e vegetais.
Se tem uma rotina corrida, pode escolher opções simples — como frutas com aveia, ovos mexidos ou um prato de arroz e feijão — que continuam sendo uma combinação nutricional excelente.
Não é preciso contar gramas nem transformar cada refeição em cálculo; basta compreender as bases para que as escolhas se tornem mais conscientes.
Conhecimento e prazer: as duas faces da boa alimentação
Sempre digo que o conhecimento nutricional deve andar de mãos dadas com o prazer.
Um prato saudável não precisa ser sem graça, e a busca por equilíbrio não deve significar abrir mão da vida social ou de momentos de celebração.
O problema aparece quando a relação com a comida é dominada pela culpa ou pela obsessão.
Se a pessoa deixa de sair com amigos porque teme “sair da dieta”, pesa cada mordida com ansiedade ou se sente constantemente frustrada com suas escolhas, é sinal de que a consciência virou rigidez — e que talvez seja hora de reavaliar a forma de enxergar a alimentação.
Diversidade e cultura: o verdadeiro sentido da alimentação equilibrada
A ciência também mostra que a diversidade alimentar é fundamental.
Não adianta só contar macros se a dieta for monótona e pobre em micronutrientes.
Ferro, magnésio, vitamina D e vitamina B12 são exemplos de nutrientes essenciais que, quando em falta, provocam fadiga, perda de massa muscular e queda na imunidade.
Muitas vezes vejo pacientes que “fazem tudo certo” na conta de macros, mas continuam cansados porque a base da alimentação é pobre em vegetais variados ou porque negligenciam o consumo de leguminosas e frutas.
O papel do profissional de nutrologia é traduzir esse conhecimento em estratégias personalizadas, respeitando a rotina, os gostos e até a cultura alimentar de cada pessoa.
O arroz com feijão, tão presente na mesa brasileira, é exemplo de refeição simples e ao mesmo tempo completa: proteína vegetal, fibras, minerais e saciedade em um prato que também carrega memória afetiva.
Em resumo, não vejo a popularização da linguagem “funcional” como um problema. Ao contrário, acredito que ela ajuda a população a entender melhor o que está no prato e a fazer escolhas mais alinhadas à saúde.
O risco surge apenas quando esse conhecimento se transforma em rigidez e culpa.
Comer deve ser, sim, um ato consciente — mas também precisa continuar sendo fonte de prazer, de encontro e de cultura.
Leitura Recomendada: Mais cansado depois dos 40? Eu explico o que pode estar acontecendo com o seu corpo
Por Dr. Danilo Almeida — médico pós-graduado em Nutrologia pela ABRAN e em Metabolômica pela Academia Brasileira de Medicina Funcional Integrativa