Cogumelos mágicos e o cérebro: como a psilocibina pode atuar por semanas

Você já imaginou que uma única dose de um composto natural, encontrado em cogumelos, poderia causar mudanças profundas no cérebro — e que essas mudanças durassem semanas? É exatamente isso que indica um estudo recente publicado por pesquisadores internacionais.

O foco da pesquisa foi a psilocibina, uma substância presente nos chamados “cogumelos mágicos”, que tem despertado o interesse da ciência por seu potencial no tratamento de transtornos mentais.

Diferente de medicamentos tradicionais, que exigem uso contínuo, a psilocibina parece agir de forma mais intensa e prolongada.

De acordo com o estudo, ela é capaz de alterar temporariamente a forma como o cérebro se comunica internamente — e esses efeitos continuam mesmo após o fim da experiência psicodélica.

O que é a psilocibina?

A psilocibina é uma substância psicodélica natural, encontrada em determinadas espécies de cogumelos.

Quando ingerida, ela é convertida pelo organismo em psilocina, que atua em receptores específicos do cérebro ligados à serotonina — um neurotransmissor essencial para o humor, a percepção e o bem-estar.

Por esse motivo, a substância vem sendo investigada como uma alternativa para casos de depressão resistente, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e até vícios, como o alcoolismo.

Mas até pouco tempo, não se sabia ao certo como a psilocibina realmente afetava o cérebro humano.

O que o novo estudo descobriu?

A pesquisa foi feita com um grupo pequeno, mas cuidadosamente selecionado: sete adultos saudáveis com experiências anteriores com psicodélicos, o que ajudou a garantir segurança e controle dos efeitos.

Cada participante recebeu, em momentos diferentes, uma dose de psilocibina e uma dose de metilfenidato — este último, mais conhecido como Ritalina, foi usado como comparação por seu efeito estimulante no cérebro.

Os pesquisadores utilizaram exames avançados de imagem cerebral para observar o que acontecia durante e depois do uso das substâncias.

E os resultados foram surpreendentes: enquanto os efeitos da metilfenidato foram mais previsíveis e passageiros, a psilocibina causou alterações significativas na forma como diferentes áreas do cérebro se conectam entre si — alterações que ainda estavam presentes semanas depois.

Essas mudanças foram mais evidentes em regiões ligadas à memória, emoções e senso de identidade — como o hipocampo e a rede do modo padrão (DMN), conhecida por estar hiperativa em pessoas com depressão.

Uma experiência que ultrapassa o momento do uso

Além dos dados cerebrais, os participantes também responderam a questionários sobre o que sentiram durante as sessões.

Os relatos com psilocibina foram mais intensos e marcantes, envolvendo sensações de conexão com o todo, elevação do humor, sensação de transcendência e até experiências consideradas “místicas” — algo que já vem sendo relatado em outros estudos com a substância.

Por que essas alterações cerebrais são importantes?

O cérebro funciona como uma rede de regiões que se comunicam o tempo todo. Em condições de saúde mental comprometida, como na depressão, essa comunicação costuma ficar rígida, repetitiva e limitada.

É como se o cérebro ficasse preso em padrões negativos de pensamento e emoção, dificultando a saída de estados como tristeza crônica ou ansiedade constante.

O que a psilocibina parece fazer é justamente quebrar esses padrões rígidos. Os exames realizados no estudo mostraram que, após a ingestão da substância, houve um aumento na conectividade global do cérebro.

Ou seja, regiões que normalmente não “conversam” passaram a se comunicar, como se novos caminhos fossem temporariamente abertos.

Essa reorganização neural é comparável a um “reinício” do sistema cerebral. Ao permitir essa flexibilidade, o cérebro pode se reconfigurar de maneira mais saudável.

E, para muitos especialistas, esse é o mecanismo que explicaria os relatos de melhora em quadros como depressão resistente ou ansiedade grave, mesmo semanas após uma única sessão com psilocibina.

Um potencial aliado na saúde mental

Nos últimos anos, diversas universidades e centros de pesquisa — como Johns Hopkins, Imperial College London e Universidade de São Paulo (USP) — vêm investigando o uso de psicodélicos com propósitos terapêuticos.

A psilocibina é uma das substâncias mais estudadas, especialmente em pacientes que não respondem bem aos tratamentos convencionais.

O grande diferencial está no tempo de ação e na qualidade da resposta.

Enquanto antidepressivos tradicionais levam semanas para fazer efeito e precisam de uso contínuo, a psilocibina pode promover benefícios duradouros com apenas uma ou poucas sessões, realizadas em ambiente controlado e com acompanhamento profissional.

Além disso, os relatos clínicos indicam que os efeitos não se restringem apenas à melhora dos sintomas.

Muitos pacientes descrevem uma mudança profunda na forma como enxergam a vida, nas relações pessoais e na autocompreensão.

Para quem convive com um transtorno mental, isso pode representar mais do que alívio: pode significar recuperação de sentido e autonomia.

📌 Leitura Recomendada: Cogumelos mágicos: a ciência por trás dos efeitos da psilocibina no cérebro

Segurança e controle: o papel do ambiente clínico

É importante destacar que, apesar dos resultados promissores, o uso da psilocibina em contextos terapêuticos exige cuidado, preparo e supervisão especializada.

No estudo em questão, todos os participantes passaram por triagens psicológicas e físicas antes de receber a substância.

Durante as sessões, estiveram acompanhados por profissionais treinados, em um ambiente confortável e com protocolos definidos.

Esse cuidado não é à toa. Embora a psilocibina não seja considerada uma droga viciante, seu efeito psicodélico pode ser intenso e imprevisível, especialmente em pessoas vulneráveis ou com histórico de doenças mentais graves, como esquizofrenia.

Por isso, não se trata de uma automedicação nem de uma experiência recreativa. O potencial terapêutico só se concretiza quando há estrutura adequada para acolher e integrar o que é vivido durante a experiência.

Uma substância diferente de tudo que conhecemos

Ao contrário de medicamentos como ansiolíticos ou antidepressivos, que atuam reduzindo sintomas por meio de alterações químicas contínuas, a psilocibina promove um estado transitório que pode levar a mudanças duradouras na forma como a pessoa interpreta a si mesma e o mundo.

É uma abordagem mais próxima de uma intervenção psicológica do que de um tratamento farmacológico clássico.

Essa diferença tem levado muitos especialistas a sugerirem que o futuro da psiquiatria pode envolver uma combinação entre substâncias psicodélicas e suporte psicoterapêutico.

Em vez de tratar apenas os sintomas, seria possível trabalhar a raiz do sofrimento, por meio de uma experiência significativa e transformadora.

O que a ciência ainda precisa entender

Apesar dos avanços, muitos pontos sobre o funcionamento da psilocibina no cérebro ainda estão em investigação. Não se sabe exatamente quais são os mecanismos biológicos que sustentam os efeitos a longo prazo nem por que algumas pessoas respondem melhor do que outras.

Além disso, é necessário compreender os riscos e limites do uso da substância em populações específicas, como idosos, gestantes ou indivíduos com histórico familiar de transtornos psicóticos.

Outro desafio está em definir quais protocolos oferecem melhores resultados: quantas sessões são ideais?

Qual o perfil dos profissionais que devem acompanhar o processo?

Qual a combinação mais eficaz entre o uso da substância e técnicas de psicoterapia?

Essas perguntas estão no centro de estudos clínicos em andamento em diversos países, incluindo o Brasil. Com o aumento do interesse por terapias inovadoras para transtornos mentais, cresce também a exigência por pesquisas rigorosas, transparentes e com acompanhamento de longo prazo.

Psilocibina e regulação: onde estamos?

A psilocibina ainda é considerada uma substância controlada na maioria dos países, incluindo o Brasil.

No entanto, algumas nações já começaram a rever essa classificação, permitindo seu uso em contextos terapêuticos experimentais ou sob condições específicas.

Em 2022, por exemplo, a Austrália autorizou psiquiatras credenciados a prescrever psilocibina para casos de depressão resistente.

Nos Estados Unidos, a FDA (agência reguladora de medicamentos) concedeu o status de “terapia inovadora” para a psilocibina em alguns ensaios clínicos, o que acelera o processo de avaliação.

O Canadá, por sua vez, já permite o uso compassivo em pacientes terminais ou com sofrimento psíquico grave.

No Brasil, há iniciativas acadêmicas importantes — como as lideradas pela Unifesp e USP —, mas ainda não há autorização para uso terapêutico fora do ambiente de pesquisa. A tendência, no entanto, é que a regulação evolua à medida que as evidências científicas se consolidam.

A ideia de que uma substância psicodélica possa promover semanas de reconfiguração cerebral pode parecer surpreendente à primeira vista.

Mas o acúmulo de dados científicos vem mostrando que a psilocibina não apenas altera temporariamente a percepção, mas pode ajudar a restaurar a flexibilidade de redes neurais comprometidas por transtornos mentais.

É fundamental, porém, que essa descoberta seja tratada com responsabilidade. Isso significa garantir que o uso terapêutico da psilocibina esteja sempre associado a suporte clínico, acompanhamento psicológico e rigor científico. Ao mesmo tempo, é preciso combater o estigma e a desinformação que ainda cercam os psicodélicos.

Com equilíbrio, ética e ciência, os “cogumelos mágicos” podem deixar de ser apenas objeto de curiosidade cultural e se tornar uma importante ferramenta no cuidado com a saúde mental.

📌 Leitura Recomendada: Misocinesia: o fenômeno psicológico que afeta 1 em cada 3 pessoas

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Michele Azevedo
Michele Azevedo

Formada em Letras - Português/ Inglês, pós-graduada em Arte na Educação e Psicopedagogia Escolar, idealizadora do site Escritora de Sucesso, empresária, redatora e revisora dos conteúdos do SaúdeLab.

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