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Aquela taça de vinho à noite faz bem ou mal ao seu coração? Estudo revela novas evidências
Por décadas, muitos acreditaram que o consumo moderado de álcool – especialmente do vinho – poderia proteger o coração.
Essa ideia foi amplamente divulgada em reportagens, campanhas publicitárias e até recomendações médicas. No entanto, um novo e robusto estudo publicado na revista Circulation desafia essa crença.
A revisão científica reuniu décadas de pesquisas para entender, com maior clareza, o impacto do álcool na saúde cardiovascular.
Os resultados lançam um alerta: os riscos podem ser maiores do que se imaginava, mesmo em doses consideradas moderadas.
Entenda mais aqui, no SaúdeLAB.
O que o estudo analisou
A revisão publicada em Circulation não é apenas mais uma pesquisa sobre o tema. Trata-se de uma análise ampla e crítica de diversas publicações científicas acumuladas ao longo de anos.
O foco foi examinar a relação entre o consumo de álcool e os desfechos cardiovasculares, ou seja, as doenças que afetam o coração e os vasos sanguíneos, como infarto, AVC, hipertensão e arritmias.
Ao todo, foram avaliados diferentes tipos de estudos, incluindo grandes coortes (pesquisas que acompanham milhares de pessoas por longos períodos), meta-análises (que reúnem e analisam dados de múltiplas pesquisas), além de estudos mecanísticos, que investigam como o álcool atua no organismo em nível fisiológico.
Baixo consumo: benefícios são incertos
Durante muito tempo, estudos observacionais sugeriram que o consumo diário de 1 a 2 doses de álcool poderia oferecer certa proteção contra doenças cardiovasculares, como a doença arterial coronariana.
Esses dados deram origem à chamada “paradoxo francês” — a ideia de que o vinho tinto consumido regularmente poderia justificar as baixas taxas de infarto entre os franceses, mesmo com uma dieta rica em gorduras.
Porém, o novo estudo revisa essas evidências com um olhar mais técnico.
Segundo os autores, muitos desses trabalhos antigos apresentavam viés de seleção e não consideravam variáveis fundamentais, como estilo de vida, nível socioeconômico e dieta dos participantes.
Além disso, há o chamado efeito do “ex-bebedor doente” (sick quitter), que ocorre quando pessoas que pararam de beber por questões de saúde são comparadas com quem continua bebendo moderadamente — o que pode distorcer os resultados.
Com metodologias mais modernas, como a randomização mendeliana (um tipo de estudo genético que ajuda a entender relações de causa e efeito), os cientistas observaram que os possíveis benefícios do álcool para o coração são, na melhor das hipóteses, mínimos — e, na pior, inexistentes.
E o vinho? É diferente das outras bebidas?
A revisão também aborda uma dúvida frequente: o vinho tinto é realmente mais benéfico do que outras bebidas alcoólicas?
Embora existam compostos no vinho, como o resveratrol (um antioxidante presente na casca das uvas), os dados atuais não sustentam que o vinho tinto, em si, ofereça vantagens cardiovasculares significativas em comparação com outras bebidas alcoólicas.
O problema está no etanol, presente em todas elas, e que parece ser o principal responsável pelos efeitos negativos observados.
O verdadeiro impacto do consumo excessivo
Se os benefícios do consumo leve são incertos, os riscos do uso abusivo estão bem documentados.
De acordo com a revisão, o consumo elevado — definido como três ou mais doses por dia — está associado a um aumento expressivo de doenças cardiovasculares.
Entre os problemas observados estão:
- Hipertensão arterial: mesmo níveis mais baixos de álcool podem elevar a pressão com o tempo;
- Infarto agudo do miocárdio (IAM): risco aumentado entre consumidores frequentes;
- Insuficiência cardíaca: o álcool pode enfraquecer o músculo cardíaco;
- Arritmias cardíacas: como a fibrilação atrial, um distúrbio que altera o ritmo dos batimentos cardíacos;
- Acidente vascular cerebral (AVC): risco elevado em usuários crônicos ou em episódios de consumo em excesso (binge drinking).
Importante destacar que, mesmo entre pessoas que bebem de forma “moderada”, episódios pontuais de consumo exagerado — como festas ou finais de semana — podem anular qualquer potencial benefício observado em estudos anteriores.
Como o álcool afeta o sistema cardiovascular
Os efeitos do álcool no corpo vão muito além da sensação de relaxamento ou euforia que ele provoca em curto prazo.
O etanol, principal componente das bebidas alcoólicas, interfere em diversos mecanismos fisiológicos, muitos deles prejudiciais ao sistema cardiovascular.
Entre os principais impactos observados estão:
1. Aumento da pressão arterial
Mesmo em doses consideradas moderadas, o álcool pode elevar a pressão arterial ao estimular o sistema nervoso simpático, responsável por aumentar a frequência cardíaca e a constrição dos vasos sanguíneos.
O efeito é cumulativo — ou seja, quanto maior e mais frequente o consumo, maior o risco de desenvolver hipertensão.
2. Estresse oxidativo e inflamação
O consumo de álcool estimula a produção de radicais livres no organismo, promovendo estresse oxidativo.
Essa condição contribui para inflamações crônicas nos vasos sanguíneos e acelera o processo de formação de placas ateroscleróticas, que podem levar ao infarto ou AVC.
3. Alterações no ritmo cardíaco
O álcool interfere na condução elétrica do coração, favorecendo o aparecimento de arritmias, principalmente a fibrilação atrial — condição em que os átrios batem de forma descoordenada, aumentando o risco de AVC.
Curiosamente, esse efeito pode ocorrer mesmo em quem bebe apenas esporadicamente, fenômeno conhecido como “holiday heart syndrome” (síndrome do coração de feriado).
4. Disfunção do músculo cardíaco
O uso crônico pode levar à miocardiopatia alcoólica, condição em que o músculo do coração se enfraquece e perde a capacidade de bombear o sangue de forma eficiente, gerando insuficiência cardíaca.
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O aumento do consumo de álcool após a pandemia
O estudo publicado em Circulation também aponta uma preocupação adicional: o aumento do consumo de álcool observado após a pandemia de COVID-19.
Dados internacionais mostram que, em muitos países, houve um crescimento no consumo domiciliar, impulsionado pelo isolamento social, estresse, ansiedade e incertezas econômicas.
No Brasil, uma pesquisa realizada pela Fiocruz e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que o número de pessoas que passaram a beber sozinhas em casa quase dobrou durante a pandemia.
Esse cenário é preocupante, principalmente porque o aumento no consumo frequente — mesmo que em pequenas quantidades — está associado a maiores riscos cardiovasculares a longo prazo.
A posição das instituições de saúde
Frente a essas novas evidências, diversas instituições de saúde vêm atualizando suas recomendações sobre o consumo de bebidas alcoólicas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que não há nível seguro de consumo de álcool, uma vez que qualquer quantidade pode estar associada a riscos — não apenas cardiovasculares, mas também hepáticos, neurológicos e oncológicos.
Já a American Heart Association (AHA) orienta que, se a pessoa não consome álcool, não deve começar a beber por supostos benefícios à saúde.
Para quem já consome, a recomendação é limitar a ingestão: até uma dose por dia para mulheres e até duas para homens. No entanto, mesmo essa orientação tem sido revisada à luz dos dados mais recentes.
O que isso significa para você
Se você é uma das muitas pessoas que acreditavam que uma taça de vinho ao jantar poderia proteger seu coração, é hora de repensar esse hábito. As evidências atuais mostram que os possíveis benefícios cardiovasculares do álcool foram superestimados e, na verdade, os riscos são mais consistentes e significativos.
Isso não significa que é necessário adotar uma postura alarmista ou proibir completamente o consumo de bebidas alcoólicas. No entanto, é importante tomar decisões conscientes, com base em informações atualizadas e confiáveis.
Para quem deseja cuidar do coração, as melhores estratégias continuam sendo:
- Praticar atividade física regular;
- Ter uma alimentação equilibrada e rica em vegetais;
- Controlar o estresse e dormir bem;
- Abandonar o tabagismo e reduzir o consumo de ultraprocessados;
- Monitorar a pressão arterial, colesterol e glicemia periodicamente.
Se o álcool faz parte da sua rotina social, procure consumir com moderação e esteja atento aos sinais de alerta.
Se houver dificuldade em reduzir ou parar o consumo, é importante buscar ajuda profissional.
O novo estudo publicado na revista Circulation lança luz sobre um tema delicado e muitas vezes mal interpretado.
Ao revisar décadas de pesquisas, os autores deixam claro que não há justificativa científica sólida para o consumo de álcool como ferramenta de prevenção cardiovascular.
Compreender esse novo cenário é essencial para que cada pessoa possa fazer escolhas mais seguras e saudáveis.
Afinal, o que está em jogo é a saúde do coração — e, por consequência, a qualidade e a duração da vida.
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