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Neurociência dos vícios: quando o prazer se transforma em prisão
Neurociência dos vícios – Existe um detalhe sobre o funcionamento do nosso cérebro que transforma prazer em dor.
A nossa conversa de hoje pode ter um impacto muito profundo individual e como sociedade.
O que faz algumas pessoas conseguirem se controlar, enquanto outras simplesmente não conseguem parar?
Por que certos comportamentos (como vício em pornografia, sexo, comida, compras ou até pessoas) se transformam em prisões emocionais e químicas?
Para entender isso, precisamos conhecer a neurociência do vício, e o momento exato em que o cérebro deixa de buscar prazer e passa a evitar a dor.
Neurociência dos vícios: o papel da dopamina vai além do prazer
A maioria das pessoas já ouviu falar na dopamina, que é conhecida como “neurotransmissor do prazer”.
Mas, na verdade, ela está muito mais relacionada à motivação, ao “motivo para agir”, do que ao prazer em si.
Nosso cérebro foi moldado para manter um equilíbrio nos níveis de dopamina. E os centros cerebrais que processam o prazer também processam a dor.
Imagine um pêndulo que oscila entre prazer e dor. O cérebro busca manter esse pêndulo equilibrado — o que chamamos de homeostase.
Quando passamos por uma experiência altamente prazerosa, o cérebro reage puxando o pêndulo na direção oposta.
Ou seja: quanto mais intenso o prazer, mais forte será o desconforto depois.
Se essa busca por prazer acontece de forma repetitiva e intensa, o pêndulo perde o equilíbrio.
A ausência do estímulo passa a provocar dor, vazio e abstinência.
É assim que o cérebro transforma o prazer em prisão.
Jogos online e a armadilha do “quase”
Os jogos online são um bom exemplo desse mecanismo.
Quando você se expõe a uma situação extremamente prazerosa, de uma forma única, aguda, você tem aquele momento de prazer extremo em que tem uma liberação rápida e excessiva de dopamina. E o seu cérebro entende isso.
Já no momento em que você deixa de se expor à aquele estímulo que foi único, que foi rápido, que foi esporádico, você tem um reequilíbrio rápido dos seus níveis de dopamina ao normal, ao basal.
Mas, com exposição crônica e repetida, o cérebro entende que está recebendo dopamina em excesso.
Como defesa, ele diminui a sensibilidade dos receptores de dopamina.
E o resultado é: a pessoa começa a sentir menos prazer em tudo.
O que antes era a busca pelo prazer e por um momento de diversão passa a ser uma necessidade para evitar o tédio e o vazio existencial.
É o “quase” — quase ganhei, quase acertei — que ativa esse sistema com força.
A sensação de que o próximo clique pode mudar tudo, de que o prejuízo será recuperado logo, alimenta o ciclo viciante.
Gera essa liberação rápida e intensa de dopamina que dessensibiliza o nosso cérebro e torna o comportamento em jogos e apostas online tão viciante e, portanto, deixa de ser uma escolha do indivíduo.
Nesse ponto, o comportamento deixa de ser uma escolha. O indivíduo passa a ser submetido a uma química cerebral que o aprisiona.
E o ambiente reforça esse ciclo:
- Notificações constantes;
- Influenciadores promovendo apostas;
- Anúncios durante jogos;
- Facilidade de acesso.
Tudo isso contribui para naturalizar o comportamento compulsivo.
Crenças como “não tem nada demais”, “eu paro quando quiser” ou “a mudança de vida pode estar na próxima jogada” são construídas e reforçadas pelo ambiente.
Elas alimentam a sensação de busca constante, ativando circuitos neurais que, com o tempo, se desregulam, até o ponto em que a pessoa se torna prisioneira do próprio cérebro.
Neurociência dos vícios: O peso do tédio e a crise de sentido
A vida nunca foi tão difícil do ponto de vista neurobiológico.
A gente tem a impressão hoje de que estamos no melhor momento como sociedade, no sentido de oferta, de bens de consumo, de possibilidade de sobrevivência.
Ainda que exista uma desigualdade social extrema e pessoas ainda em situação de miséria absoluta, nunca antes na história da humanidade a gente teve tanto acesso à possibilidade de sobrevivência.
E com menos preocupações com sobrevivência (como caçar ou se proteger), o cérebro passa a enfrentar outro desafio: o tédio.
Diante do tédio, a gente tem uma missão importante e difícil, que é encontrar sentido para a nossa vida.
A gente precisa fazer esse trabalho profundamente filosófico, espiritual, humano, de buscar o nosso sentido.
Quando a gente não se confronta com isso, a gente vai buscar mecanismos de anestesia diante da dificuldade existencial.
E nesse momento temos ofertas infinitas de possibilidades de entretenimento barato e de entretenimento que levam ao ciclo vicioso da dor mediante a anestesia existencial.
Imaginem que se vivemos em uma sociedade que não valoriza o crescimento individual como algo a ser recompensado e reconhecido, é natural que as pessoas passem a acreditar que o sucesso deve ser baseado em um golpe de fé ou em um golpe de sorte.
Isso faz com que o indivíduo passe a entregar a própria vida a essa percepção errada, já que ele não acredita que haverá possibilidade de sucesso através de outro caminho.
Prevenção: como identificar o ponto de virada?
Para quem não está envolvido em um comportamento de vício, fica mais fácil usar essas informações para gerar um comportamento de prevenção.
Mas observe os pequenos momentos do dia:
- Ao rolar redes sociais sem parar;
- Ao clicar compulsivamente em vídeos;
- Ao sentir dificuldade para interromper o entretenimento.
Nesses instantes, temos microssegundos de consciência. É aí que mora o ponto de virada, quando o prazer deixa de ser escolha e vira necessidade.
Reconhecer esses momentos é o primeiro passo para exercer autonomia.
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Neurociência dos vícios: mas e quem já está preso nesse ciclo?
Para quem já está imerso em um ciclo vicioso, a gente vai conversar a partir de agora sobre cinco passos práticos para sair deste lugar.
1. Reconhecimento e pausa intencional
A primeira medida é reconhecer o seu padrão de vício, entender que o comportamento virou compulsão, apesar de ainda existirem momentos de controle.
Entra aqui o reset dopaminérgico, conceito da psiquiatra Dra. Anna Lembke:
- 30 dias sem o comportamento viciante;
- Retirada completa do objeto do vício.
Essa pausa ajuda os receptores de dopamina a se reajustarem, permitindo que o cérebro volte a responder a estímulos naturais.
Esse momento é um momento mais delicado, porque nos primeiros 14 dias, em especial, existe uma sensação extrema de desconforto relacionada à abstinência, que pode variar em intensidade.
Isso pode ser extremamente desafiador, necessitando de rede de apoio e de tratamento medicamentoso e multidisciplinar.
2. Substituição consciente
Não basta parar. É preciso substituir o comportamento por atividades saudáveis:
- Exercício físico (regula naturalmente a dopamina);
- Atividades manuais ou que gerem estado de “flow”
( atividades manuais, atividades de trabalho, atividades do dia a dia que façam com que você se perca na realização daquela atividade).
A ideia central aqui é engajar-se em atividades que tenham um propósito real e prático.
3. Reestruturação do ambiente
É muito importante que o seu cérebro não tenha acesso ao que antes te despertava gatilhos.
Algumas ações práticas são fundamentais:
- Excluir aplicativos;
- Bloquear sites que servem como gatilhos;
- Deixar de seguir influenciadores que promovam esse tipo de comportamento.
A gente evita entrar em uma guerra que foi feita pra gente perder.
A gente não expõe o nosso cérebro a algo que sabidamente vai levá-lo ao sofrimento.
4. Rede de apoio
Não enfrente sozinho. É fundamental contar com:
- Apoio de pessoas de confiança;
- Psicoterapia/ajuda profissional;
- Grupos como Jogadores Anônimos (para vício em jogos/apostas)
A recuperação exige acolhimento e troca.
5. Tratamento medicamentoso
Quando a gente fala em busca de apoio profissional, a gente também está falando em busca de atendimento médico para que o tratamento possa ser instituído.
Em grande parte dos casos, usamos medicações como:
- 1. Antidepressivos
- 2. estabilizadores de humor
- 3. antagonistas de opióides
São todas medicações que têm o objetivo de restabelecer o equilíbrio químico que foi perdido no cérebro por um comportamento repetido.
O objetivo é restaurar o equilíbrio neuroquímico, para que a pessoa volte a ter autonomia sobre suas escolhas.
O vício é uma alteração do circuito de recompensa cerebral. E como todo circuito, ele pode ser reprogramado.
Não basta conhecimento, é necessário acolhimento. E não basta acolhimento, é necessário seguimento.
Precisamos caminhar juntos como indivíduos e como sociedade.
Se você conhece alguém que esteja passando por isso, compartilhe esse conteúdo. E se você é essa pessoa, procure ajuda.
Caso você queira entender ainda mais sobre os mecanismos relacionados aos vícios, eu vou deixar uma indicação de leitura do livro “Nação Dopamina” da psiquiatra Ana Lemik.
Dica de Leitura: Nação Dopamina Dra Anna Lembke https://amzn.to/4ks2PXq
Ela traz de forma elegante e real os mecanismos e os impactos de diversos tipos de vícios.
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